Um novo estudo elaborado pela Aliança pela Internet Aberta (AIA) está questionando a proposta apresentada em 2024 pela Conexis (entidade das principais operadoras do País) para uma cobrança pelo tráfego gerado por grandes big techs, como Meta, Alphabet, Netflix e TikTok.
A análise foi apresentada na última quarta-feira, 7, durante o Abrint Global Congress (AGC 2025), que ocorre esta semana em São Paulo sob organização da Abrint. Para a entidade de provedores regionais de banda larga, a proposta de "taxa de rede" (ou fair share, como preferem as grandes operadoras) seria prejudicial para as pequenas prestadoras.
"Essa é uma questão concorrencial das grandes [teles], que precisam se diferenciar dos pequenos prestadores que estão ocupando espaços", afirmou a vice-líder do conselho de Abrint, Cristiane Sanches. Ela participou de painel na última quarta ao lado do ex-presidente da Anac, Marcelo Guaranys – hoje sócio da Demarest Advogados e responsável por coordenar o novo estudo da AIA.
Uma das conclusões do material é que uma eventual cobrança por tráfego nos moldes sugeridos pelas teles, com base na contribuição da Conexis à consulta pública sobre o tema, teria 77% do valor destinado às teles – no caso, Claro, TIM e Vivo. Outros 6% caberiam a um grupo de sete provedores regionais "médios", ao passo que um universo de mais de 10 mil empresas ficariam com apenas 15% dos valores eventualmente pagos.
Para tal, o estudo estima que 69% do tráfego da banda larga móvel (gerado por Meta, Alphabet e TikTok) e 50% da fixa (com Meta, Alphabet e Netflix) seriam sujeitos à cobrança, resultando em um tráfego tarifável total de 1,37 exabytes por mês. A AIA também realizou uma série de simulações financeiras dos valores que a cobrança pelo tráfego poderia gerar.
Neste sentido, a entidade avalia que para ampliar em 1% o retorno sobre capital investido (ROIC) das teles, seria necessário cobrar das big techs US$ 4 bilhões ao ano – sendo US$ 2,5 bilhões referentes às redes móveis e US$ 1,5 bilhão, à rede fixa. Para a AIA, isso aumentaria o lucro das grandes "de forma desproporcional" e prejudicaria a competição pelos ISPs.
Já na divisão por empresas, a Meta (que reúne Facebook, Instagram e WhatsApp) ficaria responsável por US$ 2,3 bilhões dos pagamentos anuais, seguida pela Alphabet (dona do Google) com US$ 1,1 bilhão, do Netflix com US$ 326 milhões e do TikTok com US$ 201 milhões. Na proposta da Conexis, apenas provedores de serviços de valor adicionado (SVA) com mais de 5% do tráfego total da rede seriam tarifados, excluindo CDNs públicas.
"Os provedores de SVA teriam que pagar US$ 0,79/mês por usuário móvel e US$ 2,51/mês por usuário de banda larga fixa", resumiu o estudo, estimando o que seria necessário para ampliar o ROIC das teles em 1%. Segundo a análise da Aliança, a proposta da Conexis menciona mecanismos de taxação progressiva e fatores de incentivo, que não foram levados em conta na simulação.
Falhas de mercado
Para a aliança, ainda que as grandes operadoras afirmem que o fair share visa corrigir falhas de mercado ao alinhar receitas e custos ao longo da cadeia de valor de Internet, seria "evidente" que grande parte da proposta está centrada no aumento da lucratividade e retorno das teles.
"As receitas e a distribuição de dividendos das grandes CSPs [operadoras] vêm crescendo em valores reais. Ao mesmo tempo, os investimentos em redes por parte dessas empresas têm diminuído", afirmam as conclusões do estudo.
Para Marcelo Guaranys, essa ideia de "cobrir o rendimento que a operadora não está tendo" seria algo alheio ao ordenamento jurídico previsto na Lei Geral de Telecomunicações (LGT). O entendimento é que mecanismos de proteção financeira seriam incompatíveis com o regime privado instituído para o setor, classificado pelo advogado e economista como uma referência em mercado regulados.
Neste sentido, o entendimento de Guaranys é de que não existe falha de mercado a ser resolvida com a cobrança para grandes geradores de tráfego. O novo estudo da entidade também aponta que quedas de receitas no setor de telecomunicações não derivam de problemas nos mercados de telefonia móvel e fixa, mas sim do derretimento de serviços legados como telefonia fixa e TV por assinatura.
Ainda, a AIA reiterou conclusões de estudos anteriores da entidade, como uma desaceleração constatada no crescimento anual do tráfego de dados. A Aliança pela Internet Aberta reúne uma série de empresas e associações que incluem as big techs, empresas de radiodifusão e os provedores regionais reunidos na Abrint.
Preocupação
Durante debate na AGC 2025 sobre o tema, Cristiane Sanches, da Abrint, descreveu o debate da cobrança pelo tráfego como algo que coloca de um lado as operadoras nacionais e do outro lado, todo o restante do ecossistema de Internet.
Segundo ela, a proposta afetaria acordos de peering, trânsito e CDNs já estabelecidos e essenciais para a operação dos pequenos provedores. Estes também teriam poder de barganha bastante inferior ao das grandes em eventuais negociações com as big techs – negociações estas que já são consideras complexas, dado a grande pulverização de ISPs pelo País.
Assim, o estudo da AIA afirma que a proposta das teles para o fair share desconsidera as pequenas ISPs como agentes-chave na conectividade do País. "Enquanto os pequenos provedores têm direcionado seus esforços para a expansão de redes em áreas desatendidas, especialmente nas regiões mais pobres do país, as operadoras nacionais concentram seus investimentos em centros urbanos densamente povoados e nas cidades mais ricas", aponta o material.
Essa proposta seria como se uma transportadora de encomendas que cobrava o frete do destinatário e agora quer cobrar o frete do remetente também. É querer ganhar duas vezes em cima de uma mesma "entrega".