As grandes teles vão ao campo

Fabio Vianna Coelho, sócio da RadiusNet e da Vianatel

Antes mesmo de se tornar realidade no Brasil, o 5G tem servido para que grandes operadoras manifestem interesse em levar seus serviços a regiões afastadas dos grandes centros, particularmente, o campo. O foco é o agronegócio que, apesar do uso intensivo de tecnologia, permanece, por conta da falta de banda larga móvel, distante do nível de automação e consequente ganho de produtividade observado em outros países. 

Destaca-se nesse sentido a TIM que, disposta a se tornar líder na oferta de conexão e soluções para Internet das Coisas ao setor, dispõe hoje de cobertura 4G em 7 milhões em áreas rurais, o que corresponde a quase 4.800 municípios. Em alguns deles, a operadora dispõe de pilotos para uso do 5G. A Claro, por sua vez, irá testar a frequência de 700 MHz para a oferta de 5G voltada à integração de canaviais e usinas no interior de São Paulo. Já a Vivo passou a defender o uso de recursos do FUST para que as teles possam fornecer conexão a pequenos produtores sem terem perdas com a oferta de serviços em áreas de baixa densidade populacional. 

O atendimento a essas e outras regiões, até pouco tempo atrás ignoradas pelas grandes operadoras, foi o que possibilitou aos provedores regionais conquistarem, em conjunto, um market share de mais 40% no mercado de banda larga. Agora, em algumas de suas áreas de atuação, os ISPs se vêm diante de concorrentes com altíssimo poderio econômico. Embora a chegada das teles ao campo tenha como foco produtores, em algum nível, os serviços serão estendidos aos consumidores finais, que pouco se importam se a banda larga é móvel ou fixa, desde que tenha um custo/benefício satisfatório. Apesar do quadro, os ISPs não têm, ao menos por ora, porque entrar em pânico. 

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Os volumes de transmissão prometidos pelo 5G e os viabilizados pelo 4G dependem de infraestrutura física, particularmente as redes de fibra óptica que, no campo assim como em cidades médias e pequenas, pertencem majoritariamente aos PPPs. Desta forma, inicialmente, as teles precisarão estabelecer parcerias – ou seja, alugar – para levarem suas ofertas a locais antes não explorados. Num segundo momento, essa relação poderá mudar. 

Uma das razões é que as teles não têm como crescer significativamente com base na conquista de novos clientes em suas áreas de atuação. Pesquisa da FGV divulgada em maio de 2021 apontava que havia 440 milhões de dispositivos digitais em uso no país, uma relação de dois por habitante. Desses aparelhos, 53% eram smartphones. Grandes centros retêm parte significativa desse consumo, com os usuários dispondo de uma ou mais linhas. Portanto, as grandes operadoras voltam-se, nessas áreas, para a oferta de novos serviços. A bola da vez é o 5G. Sua popularização e ganho de escala, porém, ficam severamente comprometidos, no curto prazo, por conta do quadro econômico do país.

Até que isso mude, as grandes operadoras só poderão crescer a partir da conquista de novas praças. Inicialmente, a busca se concentrará no agribusiness que, apesar de reduzido número de players, demanda a transmissão de grandes volumes de dados necessária à integração atividades e ao monitoramento de culturas e rebanhos. Se a reduzida escala inviabiliza economicamente ações agressivas, a ação pode ser estratégica no futuro.

Embora o país figure entre os maiores produtores e exportadores de alimentos do mundo, o agronegócio brasileiro encontra-se em uma posição complexa. Há pressão internacional para que o país proteja suas florestas que, se continuarem a ser transformadas em áreas para produção agrícola ou pecuária, poderão motivar sanções variadas ao setor e ao país. Ao mesmo tempo, dissemina-se, principalmente na Europa, a chamada Agricultura 4.0 ou Agricultura de Precisão que, a partir do uso intensivo do IoT – dependente de banda larga –, eleva severamente a produtividade no campo, reduzindo a dependência de novas áreas de cultivo e pastagem.

A oferta de 4G e 5G, principalmente aos grandes produtores do país, representa uma demanda certa por parte de um público capitalizado que, ao ser atendida, serviria de laboratório para o desenvolvimento de soluções que, num outro momento, poderão ser estendidas a diferentes segmentos, dentre outros, da indústria. 

A ida das teles ao campo também se dá num momento em que a descentralização econômica e populacional, observada há anos, intensifica-se por conta da pandemia. A partir do isolamento social imposto pela Covid, o teletrabalho popularizou-se em alguns segmentos, possibilitando a migração de pessoas para áreas distantes de grandes centros, dentre as quais, o campo. Ainda que distante dos níveis que justifiquem ações agressivas na conquista dessas praças, o adensamento e a demanda por conexão serão alvos de ações das teles.

Algum abalo os ISPs sofrerão. Além de intensificar uma competição que se acirra a partir da onda de M&As e chegada de investidores, a proximidade geográfica de grupos como Vivo, Claro e TIM fará com que a Anatel os observe mais atentamente. E são frequentes os eventos que desagradam a agência, até mesmo no que se refere às obrigações mais básicas.

Prestadores de SCM devem abastecer periodicamente os sistemas de coletas de dados da Anatel. A cada publicação do número de conexões de banda larga ativas no país, havia queda na participação dos ISPs, não por conta de perda de mercado, mas por descumprimento dos prazos para envio. Por conta disso, a agência abriu períodos de coletas para envios intempestivos, ou seja, fora do prazo, inibindo a necessidade de revisão dos números que divulga. Tal descuido dá ideia da desorganização administrativa de parcela considerável dessas empresas. Isso gera passivos financeiros e, na parte regulatória, advertências, multas e até cassação das licenças.

Juntamente com grandes operadoras, a Anatel também irá ao campo. Além de maior zelo com suas obrigações regulatórias, os ISPs, que já passam por um momento de profissionalização, terão de ser ainda mais cuidadosos com sua administração. Além de possibilitar um atendimento de qualidade num cenário de crescente competição por clientes, ferramentas de gestão como softwares especializados evitam o surgimento de passivos que, além de colocarem em risco o negócio, afastam investidores.

* Sobre o autor: Fabio Vianna Coelho é sócio da RadiusNet e da Vianatel, especializadas, respectivamente, em gestão e regularização de provedores de internet. As opiniões manifestadas nesse artigo não necessariamente representam o ponto de vista de TELETIME.

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