No último dia 25 de fevereiro, publiquei, pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado Federal, um artigo amplo sobre o status da regulamentação dos serviços de streaming de vídeo no Brasil. O trabalho, além de analisar o ambiente normativo do setor audiovisual, relacionando seus dispositivos com o que determina a Lei Geral de Telecomunicações e o Marco Civil da Internet, descreve as principais características do mercado de VoD no País e as recentes tentativas de discipliná-lo, relaciona algumas experiências internacionais dessa regulação e examina os dois principais projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que tratam do tema.
E chega a algumas conclusões.
A primeira delas é que as discussões para regulamentar o mercado de VoD estão mais que maduras, tendo se iniciado, em âmbito administrativo – ou seja, no Poder Executivo –, logo após a sanção da Lei do SeAC, em 2011.
Em 2012, a Ancine editou pelo menos três instruções normativas (as INs nº 101, nº 104 e nº 105) que buscaram, em alguma medida, estabelecer regras para o "segmento de mercado audiovisual de vídeo por demanda". Em 2015, o Conselho Superior de Cinema publicou documento com orientações para a construção de um marco regulatório para os serviços de VoD. Em 2016, a Ancine organizou consulta pública, a partir de uma notícia regulatória, com a intenção de "promover o debate sobre os elementos relevantes para uma regulação da oferta de conteúdos audiovisuais sob demanda aos consumidores brasileiros". Em 2018, o CSC aprovou proposta, a ser encaminhada ao Congresso Nacional na forma de anteprojeto de lei, para disciplinar esse mercado. Por fim, em 2023, o Ministério da Cultura criou, por meio de portaria, um grupo de trabalho com o objetivo de propor recomendações para a regulamentação dos serviços de VoD no País, o GT-VoD.
Concluiu-se também que o mercado de VoD está suficientemente robusto para obedecer a um arcabouço legal e regulatório capaz de, ao mesmo tempo, garantir direitos a seus usuários, e equiparar os provedores desses serviços a outros segmentos regulados do setor audiovisual que hoje atuam com muito mais regras e obrigações, inclusive tributárias, como a radiodifusão e os prestadores de SeAC.
Segundo levantamento realizado pela Kantar Ibope Media, as plataformas de vídeo online alcançaram, em janeiro de 2025, uma audiência de 33,9% frente a 66,1% da TV com programação linear, considerados a TV aberta (57,9%) e os serviços de televisão por assinatura (8,2%). Dados compilados pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) estimaram que, em 2023, o mercado de VoD faturou US$ 1,95 bilhão com os serviços disponibilizados ao público brasileiro. Já o panorama desenhado pela Ancine considerou um universo de 60 plataformas de VoD que atendem o mercado nacional.
A terceira conclusão é que, assim como no Executivo, as discussões sobre como regular os serviços de VoD no Congresso Nacional estão suficientemente maduras para se aprovar, em curto prazo, uma lei específica para o setor. O PL nº 8.889, de autoria do deputado Paulo Teixeira, foi apresentado em outubro de 2017, ou seja, tramita há mais de sete anos. Não se deve esquecer ainda que o Parlamento já aprovou uma primeira legislação para o segmento: a MP nº 1.018, de 2020, convertida na Lei nº 14.173, de 2021, que visava a desoneração dos serviços providos pelas chamadas Vsats (very small aperture terminal), inseriu na MP da Ancine o art. 33-A, em vigor, afastando a cobrança da Condecine dos serviços de VoD, independentemente da tecnologia utilizada para seu provimento.
Os dois projetos de lei que estão sob análise da Câmara dos Deputados – tanto o PL nº 8.889, de 2017, quanto o PL nº 2.331, de 2022, já aprovado pelo Senado –, em seus status atuais, partem da mesma base conceitual. Isso quer dizer que as principais definições presentes nas duas iniciativas são bem semelhantes, notadamente no que dizem respeito à sua aplicação e à incidência da nova Condecine VoD: as regras serão destinadas à exploração dos serviços de streaming e download de conteúdo audiovisual, as televisões com programação linear via Internet (fast TVs) e as plataformas de compartilhamento de vídeos.
Ao mesmo tempo, as propostas sobre a mesa são bastante distintas em seus pontos mais controversos, quais sejam as obrigações de cotas de conteúdo nacional nos catálogos das plataformas e as alíquotas aplicadas a título de Condecine. O último parecer oferecido pelo deputado André Figueiredo ao PL nº 8.889, de 2017, no Plenário da Câmara dos Deputados, prevê cotas de, no mínimo, 10% de horas de conteúdos brasileiros, calculado sobre o total de horas de conteúdo disponibilizado, sendo, pelo menos, metade composta de obras brasileiras independentes. Essa obrigação seria gradualmente implementada, em cinco anos, 2% a cada ano. Já a redação do PL nº 2.331, de 2022, aprovada pelo Senado, prevê cotas de conteúdo nacional que variam, de forma decrescente, de 5% a 4,28% do número total de obras disponibilizadas, a depender do número de títulos em cada catálogo. Quanto maior o número de títulos disponibilizados, menor a cota de conteúdo nacional. E também prevê que metade desse conteúdo seja de produção audiovisual independente.
As alíquotas da Condecine VoD também partem de valores diversos. Enquanto no parecer do PL nº 8.889, de 2017, se prevê alíquotas que variam entre 1% e 6%, a depender da receita bruta anual de seus provedores, no PL nº 2.331, de 2022, essas alíquotas variam de 1,5% a 3%, também de acordo com a receita das empresas.
Sem dúvida, esses dois pontos serão o maior foco de disputa na análise dos projetos, com a atuação determinante tanto dos provedores de VoD quanto de toda cadeia de produção audiovisual nacional.
Além desses, outros ajustes serão necessários. O primeiro deles, não previsto em nenhuma das propostas, é a revogação do atual art. 33-A da MP da Ancine. Sua manutenção gerará dúvidas sobre a incidência da Condecine na prestação dos serviços sob demanda. Os contornos da aplicação da lei para a catch-up TV também deverão ser harmonizados. Da mesma forma, será relevante a aprovação de alterações na LGT e no MCI, reconhecendo, em cada ambiente normativo, que as plataformas de VoD são, ao mesmo tempo, enquadradas como "serviço de valor adicionado" e "aplicações de Internet".
Por fim, uma definição objetiva ainda pendente vai ditar o ritmo de deliberação das propostas. Caso seja aprovada sua tramitação conjunta, o fluxo do processo legislativo será um. Já a análise dos dois projetos separadamente implicará outro ritmo. A aprovação do PL nº 8.889, de 2017, exigirá a análise do Senado e um provável retorno à Câmara. Não resta dúvida, no entanto, que o caminho mais curto e eficiente seria a aprovação do PL nº 2.331, de 2022, com as alterações pertinentes, demandando apenas uma nova deliberação pelo Senado Federal, a ratificar ou não as mudanças promovidas pelos deputados.
* Sobre o autor – Marcus Martins é consultor legislativo do Senado Federal na área de Comunicações e Ciência da Informação. As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente a visão de TELETIME.