América Latina tem de olhar para o futuro presa à regulação do passado, diz Telefónica

Embora haja uma ansiedade natural no setor de telecomunicações para se preparar para a eventual chegada da tecnologia 5G e da transformação digital, a América Latina vive um dilema de precisar lidar com a modernização regulatória com governos com abordagens analógicas. Durante o congresso Mobile 360 – Latin America, promovido pela associação global de operadoras móveis GSMA em Buenos Aires nesta semana, ficou claro que há uma insatisfação das empresas em terem de conviver com a dicotomia da demanda pelo futuro enquanto o passado atua como uma âncora no desenvolvimento do mercado.

Para José Juan Haro, diretor regulatório da Telefónica para a América Latina, isso fica claro com o aparente descompasso entre o que os governos latino-americanos pretendem com políticas públicas voltadas à universalização e as barreiras regulatórias e tributárias mantidas ou mesmo ampliadas na região. "Enquanto Estados Unidos e China estão desenvolvendo redes do futuro, na América Latina temos problemas do passado. Nos últimos cinco a dez anos, a carga tributária para a indústria tem crescido", compara. Ele acredita que essas questões legadas "arrastam" o desenvolvimento do setor, e cita o caso da mudança do marco legal de telecomunicações brasileiro proposta pelo PLC 79 como exemplo (claramente negativo) de necessidade de modernização. "É um tema que liberaria investimentos milionários, mas não sai. A realidade é que estamos discutindo coisas absurdas, cenários aplicáveis a voz, SMS, linhas telefônicas e telefones públicos."

Na visão do executivo, deveria haver uma mudança de ótica na discussão de questões como neutralidade de rede na América Latina para passar a abordar assuntos mais urgentes. "Nos EUA, o tema é uma briga de gente grande, e nós copiamos. Mas eu tenho impressão de que não há problemas relevantes de neutralidade na América Latina, e nós ainda discutimos isso. Nossos clientes estão preocupados com esse assunto, mas por que não se preocupam com [a dominação do Android como] sistema operacional? Por que não se preocupam com temas reais, como fake news?" Ele sugere que deveria haver na região uma discussão em torno da neutralidade digital, nivelando o campo de jogo das OTTs, "que dominam a formação da opinião pública e também deveriam ser submetidas a regras semelhantes de neutralidade".

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Ele acredita que está se voltando a uma "moda de insegurança jurídica" típica dos anos 90 sob o ponto de vista tributário, gerando um contraste entre o discurso dos programas governamentais de digitalização e a realidade do mercado. "De boas intenções o inferno está cheio", diz. Para o executivo, a capacidade do regulador não se pode medir em número de normas, mas sim no resultado gerado para o mercado. Por conta disso, lembra que a política de desregulação para conexões de banda larga acima de 30 Mbps na Espanha permitiu desenvolver a maior infraestrutura de fibra ótica da Europa, superior à soma das redes da Alemanha, Inglaterra e França, segundo o diretor regulatório da espanhola Telefónica. Com esse incentivo, correlaciona o aumento da produção e distribuição conteúdos espanhóis em plataformas de vídeo over-the-top, embora não mencione o Netflix nesse caso.

Infraestrutura

José Juan Haro cita também o caso dos leilões de frequência com viés arrecadatório, que induzem a indústria a "guardar" as bandas que já têm por não contarem com capacidade financeira para sustentar novos certames. "O problema continua sendo o espectro, há necessidades importantes de capacidade e a demanda continua", analisa Julio Carlos Porras, da Claro Argentina, Paraguai e Uruguai. "Queremos que o setor continue com o ritmo, e para isso terá que ser definido um plano sério para a plicação de mais espectro."

O diretor regional da AT&T, Karim Lesina, lembra que as novas tecnologias precisarão de direitos de passagem para a infraestrutura fixa e de maior densidade de células para a móvel – ainda que ele mencione problemas com a autorização de instalação de small cells mesmo em mercados mais desenvolvidos como o norte-americano. "Temos que trabalhar juntos para desenvolver regras comuns na América Latina", sugere, comparando com a abordagem da União Europeia e mesmo a interna dos EUA. "Por que desse jeito poderíamos pensar em oferecer serviços regionais. E se conseguirmos visualizar o setor dessa maneira, o que vai guiar os investimentos é a concorrência em todo o ecossistema."

O diretor da operadora chilena Entel, Manuel Araya, concorda com a abordagem de cooperação. "Creio que o paradigma das operadoras é em que parte competimos, porque a fibra é algo físico e complexo. As operadoras têm de sentar e encontrar uma nova regra para ser factível, hoje estamos em um ponto de inflexão possível; e é muito importante compartilhar", conclui.

* O jornalista viajou a Buenos Aires a convite da GSMA.

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