Este noticiário confirmou que de fato existe uma minuta de Medida Provisória circulando em Brasília com sugestões para alterar a Lei do SeAC (Lei 12.485/2011), que regula o mercado de TV por assinatura, revogando seus artigos 5 e 6. Com isso, cairiam as restrições de propriedade cruzada entre empresas de telecomunicações e empresas produtoras de conteúdo (previstas no artigo 5) e a proibição de que empresas de telecom adquiram direitos sobre talentos ou eventos brasileiros (artigo 6). A informação foi primeiro divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo, indicando como uma proposta do Ministério da Economia. A íntegra do documento está disponível aqui. Este noticiário confirmou que existem estudos sendo feitos sobre as restrições da Lei do SeAC no Ministério da Economia, mas não foi possível confirmar que a autoria da proposta está ligada a estes estudos do ministério de Paulo Guedes. O Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações tampouco recebeu o documento para a sua análise jurídica, nem é autor da proposta.
Os impactos de uma eventual Medida Provisória como essa, contudo, seriam grandes. Se a legislação for alterada, seria possível a aprovação imediata da fusão entre AT&T e Time Warner, por exemplo. A Anatel também enxerga no fim do artigo 5 a melhor saída para concluir a análise do cenário concorrencial no caso das ofertas de serviços pela Internet por parte dos programadores.
Datas confusas
Há alguns pontos nebulosos sobre a minuta em circulação, a começar pelas datas. A justificativa do texto aparece com data de 26 de junho de 2019, mas o cabeçalho sugerido para a MP fala em fevereiro e no formulário padrão usado para instruir este tipo de medida aparece o ano de 2018. Podem ser erros de revisão, o que indicaria mais uma vez que o texto é uma versão preliminar.
Assumindo a data de 26 de junho válida para a minuta, ela seria posterior ao envio ao conselho diretor da Anatel, pela área técnica da agência, da análise referente à compra da Time Warner pela AT&T. Os técnicos da agência indicaram ao conselho que determine à operadora norte-americana se desfazer da Sky no Brasil. A decisão do colegiado ainda depende da apresentação do relatório do conselheiro Vicente Aquino. A AT&T tem dito que uma medida como essa seria uma sinalização muito ruim para os investimentos da empresa no Brasil e para outros investidores internacionais, discurso que já foi manifestado ao Ministério da Economia.
No mesmo dia que o caso AT&T/Time Warner chegou ao conselho da Anatel, aliás, a agência também suspendeu, cautelarmente, a oferta de canais lineares pela Fox, no modelo de venda direta ao assinante. Ou seja, o imbróglio da oferta OTT já estava criado no momento em que a minuta foi elaborada. Todo o mercado de TV paga, das teles aos grupos provedores de conteúdo, tem colocado que esta indefinição sobre as regras de TV por assinatura gera incertezas de investimento.
Cenário complexo
É importante destacar ainda que houve mudanças importantes no cenário da TV paga ao longo do mês de julho. A primeira delas é que no dia 2 de julho o senador Vanderlan (PP/GO) apresentou no Senado um projeto de lei exatamente com a mesma proposta, de revogação dos artigos da lei do SeAC; o Ministério da Economia também teve encontros com representantes de diversos setores de telecom e radiodifusão, colhendo outras opiniões sobre o tema; a Fox conseguiu suspender na Justiça a cautelar da Anatel contra a distribuição direta de canais; e os diferentes atores do mercado, inclusive radiodifusores, passaram a se posicionar sobre uma eventual mudança na lei do SeAC. Mas afinal, o que pensam os diferentes atores sobre uma eventual Medida Provisória?
Junto ao setor de radiodifusão, ainda existe resistência à possibilidade de acabar com as restrições à propriedade cruzada, mas não há uma oposição incondicional à ideia. E entre as emissoras as posições são diferentes.
Os interlocutores que não têm a mesma posição da Globo no mercado de TV paga e direitos esportivos entendem que existe um quadro mais amplo a ser debatido: a discussão da oferta de conteúdos OTT; as barreiras de distribuição às plataformas de TV por assinatura dos conteúdos em TV paga (por exemplo, acesso dos canais distribuídos pela Simba, que representa Record, SBT e Rede TV); a regulamentação da Condecine sobre os serviços de vídeo sob demanda, a necessidade de maior clareza em relação à isenção do Fust sobre serviços de radiodifusão (medida prevista no PLC 79); a conclusão da transição da TV digital; e o impacto da banda C com o leilão de 3,5 GHz. Todas são questões colocadas como mais importantes do que o fim das barreiras de propriedade cruzada no SeAC. "Se é para discutir esse tema (propriedade cruzada), temos uma pauta longa de questões que precisam ser tratadas também", avalia uma fonte.
Já a Globo, que sempre se colocou de maneira contundente contra mudanças no artigo 5 da Lei do SeAC e é a empresa que hoje tem mais interesses relacionados a direitos esportivos, mostra-se mais preocupada com questões como a distribuição de conteúdos OTT; tem trabalhado por uma definição nas regras de tributação do VoD; e também já disse que gostaria de ver um debate sobre propriedade cruzada que considerasse também a questão da concorrência das empresas de Internet no mercado de mídia. As manifestações públicas dos executivos do grupo, contudo, indicam a clareza de que existe um cenário de negócios em transformação no mundo da TV por assinatura. Além disso, a Globo é o grupo que hoje enfrenta, claramente, mais resistência política dentro do governo Bolsonaro, de modo que seu poder de influência não é linear nas diferentes áreas do Executivo, ainda que siga muito relevante no Congresso. A Abert, associação que congrega Globo, SBT, Band entre outras emissoras, diz que não aceita discutir a Lei do SeAC enquanto tiver a "espada na cabeça" em relação às restrições que a Anatel enxerga na distribuição de conteúdos lineares pela Internet.
Posturas diferentes
A Anatel declaradamente apoia uma mudança no artigo 5 da Lei do SeAC, mas o MCTIC tem adotado postura mais discreta neste debate e pouco trata do tema publicamente. Já a Ancine, apesar de ter manifestado recentemente a concordância com a possibilidade de uma revisão da legislação de TV paga, tem dito que ela precisa ser feita encontrando um meio termo entre uma mudança pontual que permita a verticalização e a possibilidade de que isso aconteça com algumas condicionantes. E a Ancine, como se sabe, hoje vive um cenário de incertezas e seu protagonismo no debate político depende do papel e espaço que o governo dará à agência.
Entre as empresas de telecomunicações, também não há posição única. Se de um lado Oi e Telefônica evitam tocar no assunto, até porque priorizam a mudança no PLC 79 (do novo modelo de telecom), a Claro, que é quem provocou o debate da distribuição dos conteúdos lineares no modelo OTT junto à Anatel, defende um debate mais amplo. José Félix, presidente da operadora, declarou nesta terça, dia 6, que esta discussão (de mexer na Lei do SeAC) é "complexa e tem que ser vista no contexto inteiro, inclusive o Marco Civil da Internet. Já que vai modernizar, moderniza tudo", disse ele.
O que pensa a Economia
Já o Ministério da Economia, assumindo-se que a autoria da proposta, aponta na minuta que os mecanismos encontrados na Lei do SeAC hoje são prejudiciais à concorrência, limitam investimentos, não demonstraram clareza em relação aos benefícios ao consumidor, criam assimetrias em relação aos modelos de vídeo-sob-demanda (VoD) e seriam entraves ao desenvolvimento de novos modelos de negócio. A minuta não cita o caso AT&T/Time Warner e prefere se focar na questão do desenvolvimento dos modelos desenvolvidos a partir da Internet e nas movimentações de verticalização internacionais existentes (sem citar caso específico). (Colaborou Henrique Julião)