Cumprimento das metas do 3G é questionado em 10 estados

Florânia é uma cidadezinha do Rio Grande do Norte que não chega a ter 10 mil habitantes. No ano passado, a cidade ganhou uma novidade que mexeu com o cotidiano dos moradores: foi inaugurada a primeira operação de telefonia móvel no local, até então considerado uma "cidade muda" no jargão das telecomunicações. Como toda novidade, o serviço tornou-se um sucesso e mais de 20% da população adquiriu celulares, de acordo com um levantamento informal feito pela prefeitura da cidade. Mas desde o início deste ano, a empolgação inicial dos moradores virou uma dor de cabeça.
"O serviço hoje é muito precário. De 50 tentativas, a gente consegue completar uma ligação. Já reclamamos na empresa, na Anatel e até agora, nada", conta Jonas Cruz de Medeiros, morador da cidade. O prefeito Sinval Salomão (PTB) aproveitou a Marcha dos Prefeitos a Brasília, realizada em maio deste ano, para ir pessoalmente à Anatel relatar os problemas na oferta de celular. Encontrou-se com funcionários do corpo técnico da agência, que prometeram tomar providências para solucionar a situação. Mas nada ainda foi feito, segundo Salomão.
A tentativa de solucionar o problema localmente, com a gerência regional da Anatel no Rio Grande do Norte, também não deu certo por enquanto. "Nos deram uma semana de prazo para resolver. Com uma semana, recebi um e-mail da Anatel dando prazo até 15 de agosto. E continuamos esperando", reclama o prefeito. As falhas de comunicação não estão restritas à Florânia. Ao menos outras três cidades vizinhas (Serra Corá, Lagoa Nova e Serra Negra do Norte) também estão com atendimento precário.

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"O telefone funciona esporadicamente, lá pelas seis horas da manhã. Depois, não tem mais sinal", relata o prefeito. "A situação é horrível, porque a gente não tinha telefone celular antes, mas também não tinha problema. Agora temos que enfrentar isso. E a responsabilidade acaba caindo sobre a gente, os políticos da cidade", desabafa. Salomão se preocupa com o fato de, em nenhum momento, a Anatel ter demonstrado que irá punir a empresa responsável pela oferta pelo mau serviço prestado.
E existe um agravante: mesmo com o serviço funcionando de forma absolutamente precária, o prefeito e moradores ouvidos por esta reportagem asseguram que todos continuam sendo cobrados religiosamente pela prestadora. Procurada para se pronunciar sobre os problemas, a empresa responsável pelo atendimento na cidade não se pronunciou até o fechamento desta matéria.
Demanda muito alta
Segundo levantamento feito pela fiscalização da Anatel, o problema de Florânia não é um caso isolado. Para se ter uma ideia do volume de reclamações, a equipe de fiscalização criou um plano de trabalho para investigar as inúmeras denúncias enviadas à agência. No momento, 26 denúncias estão sendo apuradas em 10 estados da federação: Rio Grande do Norte, Bahia, Ceará, Pará, Pernambuco, Amazonas, Rio de Janeiro, Paraíba, Alagoas e Piauí. Florânia está na lista de fiscalização.
O alto nível de reclamações registradas na agência revelou não só um possível descaso das operadoras em cumprir as obrigações de expansão da telefonia móvel no Brasil – que, diga-se de passagem, não saiu de graça para a sociedade, já que a Anatel reduziu os preços das faixas no leilão do 3G para incluir as contrapartidas que agora não estão sendo atendidas plenamente. As falhas no atendimento mostraram também que muitas operadoras subestimaram o potencial desses novos mercados.
Diretores de operadoras móveis sempre justificaram a não expansão para essas localidades no interior do país alegando que a demanda não cobriria os custos de implantação da rede móvel. Jaguaretama, no Ceará, é um exemplo de como essa premissa pode estar errada. A telefonia móvel na cidade, também com menos de 10 mil habitantes, foi um sucesso de aceitação. Um sucesso tão grande que afetou a qualidade do serviço e fez com que os vereadores da cidade mandassem uma carta à Anatel com muitas críticas à operação e à falta de fiscalização.
O vereador José Juraílson Bezerra Brito (PSDB) conta que o serviço foi instalado no ano passado e, desde então, as falhas são frequentes. "Esse serviço é de uma precariedade a toda prova. Tanto a recepção das chamadas quando as ligações feitas pelos telefones daqui ficam cortando o tempo todo", afirma o vereador, destacando que, no início da noite, quando mais pessoas tentam ligar, praticamente não há como completar as chamadas. Esta reportagem pôde comprovar a veracidade das denúncias. Só foi possível contato com os entrevistados por meio de telefone fixo, pois nenhuma das dezenas de ligações feitas aos celulares das fontes ouvidas foi completada.
Mas um detalhe torna a situação de Jaguaretama digna de nota com relação às projeções de consumo feitas pelas empresas de telefonia móvel nessas regiões mais distantes. Pelos cálculos das autoridades locais, praticamente metade da população de 10 mil habitantes já possui celulares. O percentual é inquestionavelmente acima das expectativas da operadora responsável por instalar o serviço na região, a Vivo.
Por meio de sua assessoria, a Vivo confirmou que a cidade passa por problemas de recepção, mas garantiu que todas as medidas possíveis estão sendo tomadas para solucionar a situação. Uma delas já foi feita. Em novembro do ano passado, frente à intensa demanda naquele momento, a operadora expandiu a capacidade da Estação Rádio-Base (ERB) que atende a cidade. Mas, segundo a própria empresa, as denúncias reveladas pela TELETIME News mostram que a ampliação não foi suficiente.
"Estamos estudando agora a instalação de uma nova ERB na cidade, mas ainda não temos como estimar quando isso será feito", declarou o porta-voz da empresa. "A demanda, não só nesta cidade, tem sido surpreendente e exigido uma grande atenção da empresa para que o serviço continue sendo prestado com qualidade", diz a empresa.
Jaguaretama também está na lista do mutirão de fiscalização de denúncias da Anatel. A notícia é boa para os vereadores, que passaram por uma situação tragicômica quando fizeram a primeira denúncia à gerência regional da Anatel. Após aguardar por semanas a chegada da equipe de fiscais, a Câmara Municipal de Jaguaretama recebeu uma carta da gerência pedindo desculpas por não ter enviado a equipe por conta de uma falha administrativa: a equipe de fiscalização acabou sendo deslocada para uma cidade no Rio de Janeiro com nome parecido com o da cidade cearense. Desde então, ninguém da fiscalização apareceu na cidade onde o problema realmente está ocorrendo.
Projetos equivocados
Segundo o gerente-geral de Fiscalização da Superintendência de Radiofrequência e Fiscalização (SRF) da Anatel, José Joaquim de Oliveira, o mutirão de fiscalização das denúncias já foi iniciado. O técnico confirma a suspeita de que, em muitos casos, as empresas podem ter projetado mal o interesse dos consumidores nessas localidades, gerando as falhas na prestação do serviço. "A maior parte parece ser subdimensionamento da demanda", avalia Oliveira.
Fontes das operadoras admitem que em várias cidades já há registro de lucro com o atendimento compulsório fixado pela Anatel. "A demanda dos clientes superou muito a expectativa das empresas", afirma um funcionário de uma das empresas vencedoras do leilão do 3G. A drástica redução da incidência de um problema que há anos atormentava a fiscalização da Anatel é outro indício de que a operação das móveis nas "cidades mudas" é um sucesso com relação à demanda dos moradores.
Há tempos a Anatel tem depreendido grandes esforços para controlar o uso de telefones sem fio de longo alcance, equipamentos que permitem ao consumidor criar uma espécie de "extensão" de um número fixo localizado em uma região próxima. Essa extensão é assegurada via radiofrequência, mas usa uma fatia do espetro destinada à Aeronáutica, o que causa graves problemas de interferência nos aviões que sobrevoam uma área onde esse equipamento está em uso. Segundo o gerente-geral de Fiscalização, as denúncias de interferência causadas por estes equipamentos caíram drasticamente desde que as obrigações do 3G começaram a ser implantadas, sinal de que os consumidores desses aparelhos viraram clientes das operadoras móveis.

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