A conta apresentada pela Anatel para que as concessionárias de telefonia fixa migrem para o modelo de autorização prevê um valor a ser convertido em obrigações de nada menos do que R$ 22,6 bilhões. Ao longo desta quarta, dia 6, as concessionárias ainda estavam tentando digerir não exatamente os números, que já havia sido adiantados em conversas individuais, mas a lógica por trás da conta da Anatel e as premissas da agência. E a avaliação preliminar é de que, nesses valores, é improvável que as operadoras topem fazer a conversão de modelo. A pergunta que mais se faz é: "como se pode cobrar isso para uma mera adaptação de modelo, sendo que o serviço não tem mais nenhuma atratividade econômica"?
Nesse caso, algumas comparações numéricas reforçam a análise de que a conta não para em pé. A Oi, por exemplo, teria que pagar, se aceitasse a migração, um compromisso de compromissos e investimentos de R$ 12,2 bilhões. Em 2021, a receita anual da operadora com os serviços de voz (residenciais e corporativos) foi de R$ 2,3 bilhões, com uma queda anual de receita de 40%. Ou seja, se conseguir não perder nada de receita nos próximos anos com o serviço de telefonia fixa, a Oi precisaria reservar cinco anos de faturamento do serviço apenas para pagar os investimentos adicionais que precisará fazer. Em troca, ao se tornar uma autorizada, teria, em tese, uma redução de custos por ficar com menos obrigações, e não precisaria pagar os 2% bienais sobre a receita líquida a título de outorga. Como referência, o custo de manutenção de toda a rede da Oi em 2021 foi de R$ 700 milhões, e o pagamento do ônus contratual giraria em torno de R$ 100 milhões a cada dois anos, com base nas receitas de 2021. Vale lembrar que a partir de 2022 esses números devem mudar substancialmente porque uma parte importante da rede da operadora (exceto a rede legada de cobre) foi transferida para a V.tal e o custo de manutenção se tornará em um custo de uso da rede para a Oi
Mas a comparação mais intrigante é pelo valor de mercado: a Oi fechou esta quarta, dia 6, valendo em bolsa meros R$ 3,7 bilhões. Ou seja, só o custo de migração valeria, nas contas da Anatel, 3,3 vezes o valor de mercado de toda a operadora. É certo que a Oi hoje tem o menor valor histórico em bolsa, por conta do longo processo de recuperação judicial e das incertezas sobre seu futuro. Mesmo assim, assumir um compromisso três vezes maior do que o tamanho que o mercado atribui à empresa hoje parece pouco lógico.
Mas mesmo a Telefônica, que tem um valor de mercado maior (R$ 79 bilhões) se deparou com uma conta da Anatel que não se sustenta diante das receitas e custos que o STFC tem hoje. A empresa não detalha em balanço a receita exata do STFC. A metodologia da empresa agrega tudo como "receitas non-core", que incluem telefonia fixa, ADSL e DTH. Mesmo assim, tudo isso rendeu em receitas para a Vivo em 2021 R$ 4,7 bilhões, depois de um tombo anual de 22%. Ou seja, o custo de migração para a Vivo, estimado pela Anatel em R$ 7,7 bilhões será o equivalente a quase dois anos das receitas "non-core" da empresa.
A Algar teve uma receita com o STFC em 2021 de R$ 94,7 milhões, e um ritmo de queda anual de quase 13%. A Anatel estabeleceu como valor de migração da operadora (que, ressalte-se, já operava antes da privatização do Sistema Telebrás) a cifra de R$ 275 milhões, ou seja, quase três anos da receita com o serviço.
No caso da Claro, os R$ 2,2 bilhões de custo de migração estimados pela Anatel se referem à concessão de longa distância nacional e internacional da operadora. Não se sabe com precisão qual seria a receita da Claro com essas unidades de negócio, mas certamente é tão irrelevante que sequer aparece nos relatórios financeiros da empresa, já que há muitos anos os serviços de longa distância acabaram sendo eliminados nas chamadas dentro da própria rede das operadoras e, nas ligações internacionais, os serviços pela Internet eliminaram a necessidade de uso de uma operadora de telecomunicações. Lembrando que a Claro não é uma companhia aberta em bolsa e, por esta razão, seus balanços financeiros são bem menos detalhados.
A justificativa para os valores estabelecidos pela Anatel decorre principalmente da inclusão dos valores atualizados dos bens reversíveis no saldo final, como estava previsto na metodologia de migração publicada pela agência há dois anos. E é ai que está o grande ponto de atrito que o regulador irá enfrentar com as operadoras.
Bens reversíveis
As operadoras apontam um problema principiológico, que promete ser o principal ponto de embate entre concessionárias e Anatel: a avaliação dos bens reversíveis. A conta da agência basicamente pegou o valor contábil da RBR (Relação de Bens Reversíveis), aplicou uma correção pelo índice da construção civil sobre patrimônio imóvel (incluindo terrenos, segundo a apresentação do conselheiro Artur Coimbra), aplicou o percentual de uso efetivo daquele bem para o STFC, somou com os eventuais saldos de trocas e eliminações de metas de universalização e a eliminação do ônus da concessão. Colocando tudo isso em uma fórmula, chegou ao valor do compromisso que as teles deverão assumir de compromissos em banda larga na hipótese de migração. O maior peso da conta está, segundo a Anatel, justamente na conta dos bens reversíveis. Por esta lógica, é como se para as operadoras houvesse um benefício ao passar de concessão para autorização, pois elas ficariam definitivamente com a posse desses bens.
A questão é que essa lógica desconsidera que os bens reversíveis são, na interpretação das empresas a partir da legislação e da regulamentação (notadamente da Lei 13.879/2011 e do Regulamento de Continuidade da Concessão) de propriedade das concessionárias, de modo que elas não teriam nenhum benefício adicional ao se tornarem autorizadas de STFC em lugar de concessionárias.
Em seu balanço anual de 2021, a Telefônica foi bastante enfática a esse respeito, e sequer considerou a hipótese de uma interpretação diversa. A empresa escreveu:
"O contrato de concessão do Serviço Telefônico Fixo Comutado da Companhia prevê que os bens indispensáveis à prestação de tal serviço na área de concessão, tais como, equipamentos de comutação, transmissão e terminais de uso público, equipamentos de rede externa, equipamentos de energia e equipamentos de sistemas e suporte à operação devem ser considerados como bens reversíveis. Em 12 de abril de 2021, foi publicada no DOU a Resolução 744, aprovada pelo Ministério das Telecomunicações e pelo Conselho Diretor da Anatel no dia 4 de abril de 2021, que trata do Regulamento de Continuidade da Prestação do Serviço Telefônico Fixo Comutado Destinado ao Uso do Público em Geral em Regime Público ("RCON"). O referido regulamento, que entrou em vigência em 3 de maio de 2021, ao discorrer sobre a forma como a continuidade dos serviços STFC sob o regime de concessão deve ser garantida, estabeleceu que, quando do término do contrato de concessão do STFC da Companhia, os bens pertencentes ao seu patrimônio e que sejam utilizados para a prestação de múltiplos serviços, dentre os quais o STFC em regime público, serão objeto de contrato de cessão de direito de uso, em condições econômicas justas e razoáveis, entre a Companhia e o novo Concessionário ou a União, caso estes queiram fazer uso de tais bens para manter a continuidade da prestação do STFC em regime público".
Diz ainda a Telefônica em seu balanço anual: "De outro lado, aqueles bens que, além de essenciais, sejam efetivamente e exclusivamente empregados para assegurar a continuidade e a atualidade da prestação do STFC em regime público terão a sua posse revertida ao Poder Público mediante indenização conforme termos do RCON, caso tal serviço continue a ser prestado, quer pela União, quer por novo Concessionário, ainda em regime público. Refira-se que os bens de uso exclusivo do STFC e, assim, sujeitos ao regime de reversão previsto no regulamento, constituem acervo residual e decrescente do patrimônio da Companhia. Desta forma, o patrimônio da Concessionária, ao final do contrato de concessão em 31 de dezembro de 2025, não estará suscetível à reversão de sua propriedade à União. A cessão do uso dos bens compartilhados e da posse dos bens exclusivos do STFC passa a ser definida por meio de contratos específicos já previstos no manual operacional do Regulamento de Continuidade, aprovado pelo Despacho Decisório nº 269/2021/COUN/SCO, que complementa dispositivos do Regulamento de Continuidade. Sobre o tema, importante destacar que, a despeito da manutenção na Resolução nº 744 da obrigação de submissão de relação de bens reversíveis ("RBR") à ANATEL, tal obrigação, após sua aprovação e com a definição do modelo contratual acima descrito, possui caráter meramente informativo, com o fito de manter a transparência sobre a lista de bens utilizados pela Concessionária na prestação do STFC em regime público".
Ou seja, para a Telefônica (e a lógica se aplica a todas as outras concessionárias) não faz nenhum sentido a Anatel estimar que as operadoras terão um benefício decorrente da valoração dos bens reversíveis caso optem pelo modelo de autorização porque, em qualquer hipótese, a propriedade desses bens já é delas e, caso viessem a ser utilizados por outra concessionária de STFC, poderiam render inclusive receitas decorrentes de contrato de uso ou indenização por reversão de posse.