Opportunity usa ações "garimpadas" para processar BrT

A cada momento, fica mais evidente que o grupo Opportunity agiu em benefício próprio na Brasil Telecom de várias formas diferentes. Além dos contratos com empresas ligadas a Daniel Dantas, dos "investimentos" recebidos no Opportunity Fund por parte de fornecedores da operadora, dos advogados pagos pela BrT, das investigações feitas pela Kroll para o interesse de Dantas mas financiadas pelo caixa da empresa de telefonia, fica evidente que o grupo também tinha um outro filão para explorar financeiramente as empresas que administrava: processar as companhias justamente em seus pontos fracos.
Este noticiário teve acesso a um caso que mostra que, ainda na gestão da Brasil Telecom, Dantas e seus aliados planejaram processo judicial contra a operadora, provavelmente com base em informações privilegiadas sobre as possíveis estratégias de defesa e sobre as fragilidades jurídicas que conheciam por terem sido, por anos, administradores da companhia.
Como tudo o que envolve o Opportunity e a Justiça, é um caso complexo e cheio de minúcias. Para entendê-lo, é preciso voltar para o final da década de 90. Na época da privatização do Sistema Telebrás, o grupo Opportunity diversificou sua atuação: além de gerir a companhia de telecomunicações, Daniel Dantas e sua equipe começaram a comprar ações das empresas de telecomunicações por ele administradas no chamado mercado não-organizado, ou seja, fora de bolsa. Basicamente, o Opportunity usou duas de suas companhias (a Parcom S/A e a Forpart S/A, ambas tendo como acionista o Opportunity Fund, também parte do bloco de controle da Brasil Telecom) para adquirir no mercado as ações das teles que foram dadas como parte dos planos de expansão de telefonia. Os planos de expansão eram contratos firmados entre a concessionária de telecomunicações e o usuário pelo qual o usuário adiantava o valor das linhas telefônicas, a operadora utilizava os recursos para financiar a expansão da rede e, ao final do processo (que podia levar anos), o consumidor recebia em troca do adiantamento uma linha de telefone e mais um lote de ações da empresa de telecomunicações. A aquisição dessas ações no mercado não organizado é chamada de "garimpagem". Não é uma atividade das mais transparentes, dá margens a fraude, e por isso é coibida pela Comissão de Valores Mobiliários. Tanto é que a CVM decidiu investigar as atividades de garimpagem da Parcom e da Forpart e chegou a pedir, em relatório interno produzido pelo então diretor e hoje presidente da autarquia, Marcelo Trindade, punição exemplar, por se tratar de empresas ligadas a um "importante conglomerado financeiro nacional" que praticavam uma atividade condenável. A punição exemplar, contudo, não veio. Em 2001, a CVM decidiu apenas determinar ao Opportunity o "stop-order", ou seja, a proibição das negociações, e manter as empresas sob observação. Conforme dados apurados pela CVM na época, a garimpagem da Parcom e da Forpart aconteceu de março de 1998 (um pouco antes da privatização, portanto) até 2000, e chegou a movimentar valores expressivos. Segundo os relatórios financeiros das empresas, a Parcom chegou a ter em carteira R$ 62 milhões em ações de empresas de telecomunicações no segundo trimestre de 2000 (valores da época), período em que praticava garimpagem. A Forpart chegou a ter, no terceiro trimestre de 1999, R$ 30,65 milhões em ações de empresas de telefonia.

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Conselheira da BrT e autora da ação

Não se sabe se depois do stop order dado pela CVM (em maio de 2001), a Parcom e a Forpart realmente pararam de garimpar ações. Mas o fato é que elas mantiveram a posse destas ações e agora estão utilizando-as para conseguir, da Brasil Telecom, compensação a título de indenização sobre supostas irregularidades ocorridas na época dos planos de expansão.
Esta ação de indenização foi iniciada em 3 de novembro do ano passado na 2a. Vara Cível da Justiça de Santa Catarina, sob o número 023.05.045962-0, e tem como ré apenas a Brasil Telecom S/A. Basicamente, o que a Parcom e a Forpart argumentam é que houve irregularidades na distribuição das ações associadas aos planos de expansão e pedem a reparação dos supostos danos causados. Como argumento para sustentar a ação, as duas empresas arrolam vários precedentes de outros detentores de ações dos planos de expansão que conseguiram compensações da Brasil Telecom. Colocam também, como evidência, um reconhecimento formal, do começo de 2002, dado pela própria Brasil Telecom à Parcom e à Forpart sobre a titularidade das ações. Nesta época, a BrT era gerida pelo Opportunity.
Mas o mais surpreendente é que a ação contra a Brasil Telecom começou a ser desenhada pelo Opportunity quando este ainda estava no comando da empresa. A procuração dada por Verônica Dantas, diretora da Parcom e da Forpart, aos seus advogados para início do processo na justiça catarinense é de 20 de abril de 2005, pouco depois, portanto, de o grupo de Daniel Dantas ter sido demitido pelo Citibank da gestão dos recursos do banco norte-americano, mas época em que ainda não estava destituído formalmente de nenhuma das empresas na cadeia societária. Em 20 de abril o Opportunity ainda tinha o controle, portanto, da gestão da Brasil Telecom e Verônica Dantas era diretora e membro do conselho da Brasil Telecom Participações S/A, holding controladora da BrT.

Na acusação e na defesa

Os pontos obscuros na história são vários: primeiro, é possível que o Opportunity tenha utilizado os registros de acionista da própria Brasil Telecom para prospectar, nos anos de 1998 a 2000, quando adotava a prática de garimpagem, de que clientes poderia adquirir as ações. Afinal, a BrT tem os registros remanescentes da época da Telebrás referentes aos planos de expansão das teles que atuavam em sua área.
Depois, o Opportunity tinha detalhes (e, como administrador, ingerência plena) da linha de defesa que vinha sendo adotada pela Brasil Telecom em relação a outros processos judiciais semelhantes movidos por detentores de papéis da empresa distribuídos juntamente com os planos de expansão. Portanto, o Opportunity sabia como derrotar a BrT na justiça, porque era ele quem desenhava a defesa.
E há ainda uma suspeita mais grave: a de que o próprio Opportunity tenha feito, como administrador, com que a Brasil Telecom, em 2002, reconhecesse a Parcom e a Forpart como titulares das ações "garimpadas" junto aos assinantes da empresa, abrindo a porta para futuros processos. Na ação que move na Justiça de Santa Catarina, a Parcom e a Forpart alegam que, como a BrT já reconheceu as duas empresas como titulares das ações, não resta nada a fazer a não ser indenizá-las pelas supostas perdas.

Ações à venda

Não é possível dizer qual o montante de ações que o Opportunity adquiriu via garimpagem e que, portanto, estariam incluídas nessa ação indenizatória. A própria inicial da ação na Justiça diz que o volume é tão grande que seria impossível anexar a relação completa de contratos.
Mas vale lembrar que, justamente entre 1999 e 2000 o Opportunity tornou-se um detentor de grandes quantidades de ações da Brasil Telecom que não fazem parte do bloco de controle. Segundo o próprio Opportunity, estas ações chegam a 2,7% do capital da empresa, adquiridas no mercado para evitar uma "tomada hostil" da operadora por parte da Telecom Italia. Estes papéis, sem poder de controle, foram vendidos para a Telecom Italia por quase US$ 300 milhões em um "pacote" de mais de US$ 450 milhões negociado em abril de 2005 com os italianos e que incluía ainda fusão entre a BrT GSM e a TIM, o acerto por pendências judiciais e a venda das ações do Opportunity pertencentes ao bloco de controle da Brasil Telecom (especificamente, na empresa Zain Participações S/A, que fica no topo da cadeia societária da BrT). O valor de mercado destas ações que totalizam 2,7% do capital da companhia está na casa dos US$ 100 milhões.
Não é possível dizer também se as ações que o grupo de Daniel Dantas comprou via garimpagem são as mesmas que estão, agora, no bolo da venda para os italianos. Nem é possível dizer se entre 2000, quando foi dado o "stop order" da CVM, até 2002, quando a Parcom e a Forpart registraram a titularidade das ações junto à Brasil Telecom (e a BrT aceitou, sem contestações), mais ações foram garimpadas pelo Opportunity.
O que é possível ter certeza é que, quando a Parcom e a Forpart compravam ações referentes aos planos de expansão, a Forpart também era parte do bloco controlador da Telet e da Americel, empresas operadoras de telefonia celular na banda B que depois foram incorporadas pela Claro. Na ocasião, inclusive, o escritório de advocacia que representava a Forpart junto à CVM era o do advogado Luiz Leonardo Cantidiano, que depois viria a se tornar, em meados de 2002, presidente da autarquia, sucedido em 2004 por Marcelo Trindade, que apurara a prática de garimpagem da empresa.
Depois do "stop order", foi aberto um inquérito administrativo contra as empresas, com o número 06/2002. Esse inquérito ainda está em andamento. No ano passado, os indiciados nesse inquérito, incluindo Verônica Dantas, a Parcom, a Forpart e mais uma série de pessoas ligadas ao Opportunity, como Arthur Joaquim Carvalho e Eduardo Penido Monteiro, chegaram a propor um termo de compromisso para encerrar o caso, pedido esse que foi negado em 13 de setembro de 2005 pela CVM, com o apoio do relator Eli Loria e também do presidente da CVM, Marcelo Trindade. Note-se que Arthur Carvalho foi membro do conselho de administração da Brasil Telecom Participações S/A até a destituição pelo Citibank e pelos fundos, em setembro de 2005, e Eduardo Penido Monteiro foi suplente do conselho da Brasil Telecom S/A a partir de 2002.

Dantas sabia

Outro dado importante sobre as empresas Parcom e Forpart é o fato de que, até o final de 2000, ambas terem tido em seus conselhos de administração a presença direta de Daniel Dantas, que raramente desempenha esse papel nas empresas de seu grupo. A Parcom é ainda acionista do Esporte Clube Bahia, time da terceira divisão do campeonato baiano.
Outro dado a ser considerado pela CVM em uma eventual análise das atividades de garimpagem da Parcom e da Forpart é que, além de terem entre seus diretores conselheiros da Brasil Telecom (o que dá margem a informações privilegiadas na transação dos papéis), as duas companhias "de garimpagem" do Opportunity têm o Opportunity Fund como acionista. O Opportunity Fund é um fundo baseado em Cayman e foi registrado junto à CVM dentro das regras do Anexo IV da extinta Resolução 1.289/87 do Conselho Monetário Nacional. Estas regras o impediriam de participar do controle de empresas abertas (o que acontecia) e o impediria de negociar ações fora da bolsa (o que aconteceu, por meio da Parcom e da Forpart). As regras do Anexo IV foram refeitas em janeiro de 2000, de modo que estas limitações deixaram de ser aplicadas integralmente. De qualquer maneira, a garimpagem ocorreu em um período anterior a este, quando as regras vigoravam.
A CVM foi procurada para comentar os fatos apurados na matéria mas não respondeu até o fechamento da edição, prometendo fazê-lo. O Opportunity foi procurado e não se pronunciou.

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