Edital de 5G não pode ser "amontoado de boas intenções", diz Leonardo Euler

Leonardo Euler de Morais, presidente da Anatel

O ano de 2019 terminou com um tema dominando a pauta de discussões do setor: como será o desenvolvimento do 5G no Brasil. Por enquanto, o nível de incertezas sobre as decisões regulatórias ainda é grande, e o presidente da Anatel, Leonardo Euler, segue preocupado com o cronograma de realização do leilão. Para ele, contudo, as questões que estão em aberto não devem ser um obstáculo para que o cronograma avance. E ele também não se mostra convencido que privilegiar a entrada de pequenos prestadores no leilão será o melhor caminho. Nesta entrevista, algumas reflexões do presidente da agência sobre o processo que dominará a agenda em 2020, incluindo os desafios de mercado, as mudanças regulatórias necessárias ao novo ambiente e a mudança no cenário competitivo.

TELETIME – Como fica o cronograma do 5G considerando que a consulta pública do edital ainda está pendente? Esse tema pode entrar na pauta da reunião extraordinária do dia 22 de janeiro?

Leonardo Euler – Qualquer tema pode entrar na reunião extraordinária, desde que solicitada pelo conselheiro que estiver com a matéria, então ainda podemos ter alguma novidade nesse sentido. Sobre o cronograma, entendo que os prazos ainda são incertos porque dependem de diferentes instâncias da agência e também externas, como o Tribunal de Contas da União. O TCU tem por exemplo uma normativa que prevê a análise em 150 dias desse tipo de matéria. Mas entendo que a discussão já travada no Comitê de Espectro e Órbita da Anatel (CEO) foi importante para dar o máximo de celeridade, a ponto de fazer com que a matéria chegasse no conselho da Anatel em maio de 2019. Houve ainda um trabalho importante de liberar a faixa de 3,3 GHz a 3,4 GHz e que continuará agora com a nova proposta das teles para liberar do 3,6 GHz a 3,7 GHz. Se isso for possível, será salutar, porque quem deve julgar o apetite por espectro é o próprio mercado. Se não houver interesse o mercado dirá, nosso papel é tentar liberar o máximo. E estas discussões podem acontecer antes, durante e depois da consulta pública, não existe nenhum constrangimento legal nesse sentido.

Notícias relacionadas

No caso desta proposta adicional de liberar o 3,6 GHz a 3,7 GHz, isso afeta todo o setor de satélite. Já há consenso sobre essa proposta?

É preciso que haja segurança jurídica, e ela não pode comprometer o timing do edital. É isso que a gente precisa estudar. Essa faixa adicional pode vir na proposta final, pode vir no pedido de vistas do conselheiro Moisés, desde que não comprometa o cronograma do processo e nem a segurança sobre ele. Quando o CEO foi reativado em 2017, o processo de diálogo com os diferentes stakeholders foi intensificado entre empresas de telecom, fabricantes, de equipamentos, radiodifusores… Fizemos testes bastante amplos. E esse trabalho motivou a indústria a desenvolver soluções, como novos filtros, por exemplo, e a possível liberação de mais faixas. Mas estas possibilidades não podem comprometer o andamento dos processos em curso nem sem o diálogo necessário com todos os atores.

Uma das discussões levantadas pelo voto do conselheiro Vicente Aquino no edital de 5G é sobre a possibilidade de priorizar ou não a entrada de novos competidores no mercado móvel. Qual a sua visão sobre isso?

É preciso deixar claro que o leilão é sempre aberto paraqualquer interessado…

Sim, mas a depender da configuração você prioriza ou limitaa participação pela capacidade financeira.

Em 2019 ficou sedimentado o tratamento da Anatel em relação aos pequenos provedores (PPPs) e é preciso reconhecer que a agência tem tido um olhar diligente em relação a este conjunto de players competitivos, sobretudo na banda larga fixa nas mais remotas áreas do Brasil. Por isso retiramos praticamente toda a carga regulatória destas empresas e aprimoramos a oferta de atacado. É preciso tomar cuidado, contudo, com a palavra prioridade. Isso tem que estar resguardado por um arcabouço jurídico sólido. Não tenho nenhum tipo de reserva a criar mecanismos que possam conferir espaços para a participação destes prestadores no leilão de 5G desde que esteja garantido o uso eficiente do espectro e considerando que este é um setor intensivo em capital. Já tivemos a experiência do edital das sobras do 2,5 GHz e não queremos repetir aquela experiência, em que a Anatel se propôs a garantir um espaço nobre do espectro a estes prestadores, mas não houve um uso, um deployment de rede efetivo nesta faixa por parte destes atores. A gente não pode repetir aquilo que aconteceu em 2015, ao meu ver. Não sou contra a ideia per se, mas me preocupa em relação à forma como a participação (dos PPPs) vai se dar. Temos que lembrar que é um setor de capital intensivo, demanda, pelo menos num primeiro momento, de um desenvolvimento em cima da rede 4G, e todos esses elementos precisam ser ponderados. O edital não é um amontoado de boas intenções, elas precisam estar lastreadas em uma técnica adequada.

Mas então como conciliar a entrada dos pequenosprovedores no edital?

O que a gente poderia colocar, por exemplo, é a exigência deuma oferta obrigatória onde as (grandes) empresas não vão atuar, porque odeployment do 5G começa com certeza nos grandes centros urbanos. Se nos médiose pequenos as empresas não atuarem, e houver uma oferta obrigatória, cria-seuma janela de oportunidade para as PPPs, algo que foi já indicado pela áreatécnica. Mas vamos lembrar que consulta pública não é um mero expedienteformal. Se fosse assim, o texto que vai para consulta pública seria igual àversão final. É uma oportunidade de submeter à sociedade uma proposta inicial,que não é definitiva, razão pelo qual não podemos ter a pretensão de resolvertudo antes da consulta, onde virão contribuições de vários atores. Mas temos oprincípio legal da celeridade. Acredito que as diversas propostas colocadasestão maduras para a consulta pública e a partir daí serem aprimoradas.

A incerteza sobre a situação da Oi afeta de alguma maneira afeta este cronograma, considerando que ela é um ator importante no processo de disputa pelas faixas?

Não, as coisas não devem ser condicionadas nem amarradas. Entendo que existem no mercado visões diferentes sobre o timing do edital, e isso faz parte, mas não acho que a situação de um player deva condicionar o ecossistema. Entendo que se realizarmos esse edital ainda este ano estaremos na vanguarda do processo e considerando tudo o que virá com o 5G, teremos benefícios inegáveis. O 5G, para muito além de uma nova tecnologia móvel, trará um grande ganho de produtividade, e sem esse ganho de produtividade não tem como falarmos em uma agenda econômica sustentável para o país.

Recentemente o Ministério da Economia expôs uma análisesobre os impactos que o 5G trará para o mercado de atacado, não apenas comooferta para outras prestadoras, mas para mercados verticais. Em resumo, eles entendemque existe um novo desafio regulatório nas relações entre o setor de telecom eoutros mercados. Qual a sua visão?

Perfeito, razão pela qual eu entendo que o mercadosecundário abre janelas e oportunidades. No Regulamento de Outorgas e Licenciamentohá previsão de outorgas por polígonos bem definidos, o que é importante para osmercados verticais. Isso já está sendo endereçado.

E na questão do slicing das redes de 5G e no diálogo com o Marco Civil, com os princípios de neutralidade de rede, a Anatel vê algum desafio?

O princípio da neutralidade está consagrado no Marco Civil ejamais impediu o gerenciamento de rede a fim de garantir aplicações qu requeremprioridade, para a melhor gestão da rede. As redes não são dumb-pipes, e técnicasde gerenciamento são essenciais, por exemplo, para aplicações de 5G como cirurgiasremotas, aplicações críticas que demandarão prioridades, e isso não vai deencontro à neutralidade.

E nas ofertas comerciais diferenciadas? Por exemplo, uma conexão otimizada para conteúdos de vídeo 8K, ou comunicação entre máquinas?

O princípio da neutralidade de rede tampouco rivaliza com a inovação do ecossistema digital, a meu ver. Não posso dizer que todos os modelos estão permitidos, até porque a gente nunca sabe o uso que será dado para além daquilo que os engenheiros pensaram. São inimagináveis as perspectivas e cases que podem surgir, mas acho que a gente não pode ter uma preocupação a priori de que a neutralidade de rede restrinja modelos de negócios.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui
Captcha verification failed!
CAPTCHA user score failed. Please contact us!