O panorama atual do fim das concessões do STFC

Foto: Simon Hu/Pixabay

O fim das concessões do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) segue sendo protagonista nas discussões envolvendo o setor de telecomunicações durante o ano corrente. Faltando pouco menos de um ano e meio para o término dos atuais contratos, as concessionárias e a Anatel buscam solucionar suas divergências enquanto garantem soluções para a continuidade do serviço (a forma como será garantida a fruição do serviço em regime público segue incerta, pois a alteração do Plano Geral de Outorgas – PGO para eventual extinção desse regime depende de ato do Presidente da República, embora essa hipótese ainda seja considerada remota).

Nesse contexto, há, atualmente, procedimentos arbitrais instaurados na Câmara de Comércio Internacional (CCI) e procedimentos de solução consensual perante o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Advocacia-Geral da União (AGU).

Desde então, o tema tem ganhado novos contornos. No início de julho, o TCU aprovou Termo de Autocomposição celebrado entre a Oi, a Anatel e o Ministério das Comunicações (MCom) para resolução das controvérsias relacionadas à concessão da referida operadora. Dentre outras disposições, o acordo consignou (i) a possibilidade de adaptação da concessão da Oi para o regime de autorização, (ii) a transferência da propriedade plena dos ativos utilizados na concessão, extinguindo a classe dos chamados "bens reversíveis", (iii) a manutenção da prestação do STFC em regime privado pela Oi nos locais em que for a única provedora de serviço de voz pelo menos até 31 de dezembro de 2028, prazo este que supera o que foi disposto pela Anatel no Regulamento de Adaptação das Concessões do Serviço Telefônico Fixo Comutado para Autorizações do mesmo serviço, aprovado pela Resolução nº 741 de 8 de fevereiro de 2021; (iv) a continuidade do atendimento de instituições que utilizam Códigos de Acesso destinados a Serviço de Utilidade Pública (tridígitos) conforme os contratos vigentes da Oi; e (v) destinação prioritária do eventual resultado da arbitragem para equacionamento do Valor Transacionado com a AGU, e, secundariamente, realização de compromissos de investimentos adicionais e remuneração das empresas envolvidas.

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Rememorando que a Lei Federal nº 13.879/2019, que alterou a Lei Geral de Telecomunicações e permitiu a adaptação do instrumento de concessão para autorização, estabeleceu três condicionantes mínimas para que a adaptação ocorresse: (i) continuidade dos serviços considerados necessários; (ii) reversão do benefício econômico auferido pelas concessionárias em consequência da adaptação em investimentos de interesse público; e (iii) prestação de garantias de implemento das duas condições anteriores, as quais foram consideradas satisfeitas no acordo alcançado.

Com efeito, o Termo de Autocomposição prevê a assunção de compromissos de investimento e manutenção de serviços totalizando R$ 5,8 bilhões, dos quais R$ 5 bilhões assumidos pela empresa V.tal e R$ 800 milhões pela Oi, permitindo que parte dos investimentos (data center e cabos submarinos) não tenham valor presente líquido (VPL) negativo. A proposta ainda contempla a possível realização de compromissos de investimento adicionais, em caso de uma sentença arbitral desfavorável à Anatel, adicionalmente aos R$ 5,8 bilhões de investimento fixos.

No mais, houve a renúncia ao direito de questionar em juízo ou em arbitragem qualquer questão relacionada aos contratos de concessão do STFC, ressalvados os questionamentos relativos à arbitragem em curso, os processos administrativos fiscais e os processos administrativos relativos ao ônus da concessão. 

No tocante à solução consensual da Telefônica, a Anatel aprovou em junho a minuta do Termo de Autocomposição, de modo que, atualmente, aguarda-se a apreciação pelo Plenário do TCU. 

Já os pedidos de solução consensual da Algar e da Sercomtel ainda não foram apreciados pelo Conselho Diretor da Anatel e o pedido da Claro foi remetido à Câmara de Mediação e de Conciliação da Advocacia-Geral da União (CCAF), órgão que integra a Consultoria-Geral da União, parte da AGU. Há perspectiva de que tais processos se movimentem neste segundo semestre.

Pode haver, ainda, desdobramentos das referidas soluções consensuais em decorrência da necessidade de o Termo de Autocomposição ter a anuência/aprovação da AGU, o que foi inclusive ressaltado pelo Relator no TCU durante a aprovação do termo da Oi, suscitando a possibilidade, até mesmo, de ocorrer ajustes pontuais no acordo, o que poderá ser feito por meio de compromisso adicional vinculado à etapa de aprovação pela AGU.

Após o julgamento do Termo de Autocomposição da Oi, foi instituída a Rede Federal de Mediação e Negociação – Resolve, por meio do Decreto nº 12.091, de 3 de julho de 2024, voltada à autocomposição de conflitos administrativos de menor complexidade. Na sequência, provocada pela Coalizão Direitos na Rede (CDR), a AGU informou que, de acordo com os arts. 13 e 14 do referido Decreto, todas as mediações e negociações no âmbito da União passam, obrigatoriamente, pela participação e assessoramento da AGU. No entanto, poucos dias depois, em 25 de julho, outro Decreto foi editado (nº 12.119) revogando os dois referidos artigos.

Com relação ao tema, uma vez que a Lei Orgânica da AGU consigna ao Advogado-Geral da União a atribuição de firmar compromissos nas ações de interesse da União (art. 4º, VI), assim como a Lei nº 9.469/1997, assevera que o Advogado-Geral da União pode autorizar diretamente ou por delegação acordos para prevenir ou terminar litígios, e o Decreto nº 10.201/2020, dispõe que a celebração de acordos com valores superiores a R$ 50 milhões dependem da aprovação do Advogado-Geral da União e do Ministro das Comunicações (art. 2º, §1º), pelo fato de já existir controversas relativas à concessão em litígios arbitrais, entende-se que esse movimento superveniente de criação da Rede Federal de Mediação e Negociação – Resolve não trará impactos, mantida a necessidade de anuência da AGU para os eventuais acordos.

Diante desse cenário e considerando que ainda não houve a adaptação das atuais concessões ao regime privado, o Conselho Diretor da Anatel deu andamento ao processo que tem como objeto eventual novo certame licitatório. Embora a minuta do futuro edital de licitação ainda não tenha sido disponibilizada ao público, consultando o Acórdão nº 193/2024 e a Análise nº 55/2024/AF, que lhe fundamentou, destacamos que a Agência se preocupou em tornar a prestação do STFC em regime público atrativa para as prestadoras interessadas, enquanto preservou o interesse público, especialmente no que se refere ao cumprimento das metas.

Nesse sentido, o edital irá garantir à nova concessionária o direito de recorrer ao Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) para arcar com os custos que não sejam recuperados mediante a exploração econômica do serviço. O fator de uso do FUST será utilizado, inclusive, para determinar o vencedor do processo licitatório. Isso porque todos os proponentes deverão indicar em suas propostas o quanto pretendem utilizar para subsidiar a prestação dos serviços, sagrando-se vencedor aquele que indicar o menor valor. Cumpre destacar que o edital também contará com remissão expressa à Lei nº 9.998/2000, a fim de dar mais segurança jurídica quanto ao regime aplicável à utilização dos seus recursos.

Ainda no intuito de aumentar a atratividade da licitação e conforme previsto no Regulamento de Continuidade da Prestação do STFC em Regime Público, aprovado pela Resolução nº 744/2021 (RCON), o edital irá prever a possibilidade de a nova concessionária utilizar os bens das atuais concessionárias do STFC para a prestação dos serviços. Tal garantia reduzirá significativamente o investimento necessário por parte da nova concessionária para cumprimento das metas relacionadas à concessão, especialmente as de expansão e universalização do serviço.

Ademais, como forma de propiciar a formação adequada e justa de preços durante o certame, a Anatel irá divulgar os municípios e localidades que comporão o objeto da licitação antes da efetiva publicação do novo edital.

Por outro lado, serão mantidas as metas de acessos coletivos (TUPs) da proposta de PGMU, posto que ainda são a única opção de acesso a serviços de telecomunicações em muitas localidades e áreas rurais do Brasil.

A Análise nº 55/2024/AF ainda trata das contribuições que foram feitas ao novo edital no âmbito da Consulta Pública realizada em agosto de 2023, indicando algumas das sugestões que foram rejeitadas e acolhidas para elaboração da minuta aprovada. Desse modo, não será permitido que as metas do PGMU possam ser cumpridas por meio da prestação de outros serviços de voz que não o STFC, bem como os prazos para instalação de acessos individuais e coletivos não serão prorrogados. Por outro lado, ficou autorizada a participação no certame por empresas que já tenham sofrido cassação de suas autorizações, ampliando o número de prestadoras que poderão apresentar proposta para prestação do serviço.

Ainda no âmbito da última reunião do Conselho Diretor, também foi aprovada por unanimidade a prorrogação por 120 dias do prazo para a análise dos pedidos de reconsideração apresentados em face da decisão do Conselho que tratou do cálculo dos valores econômicos da adaptação das concessões.

Em breve retrospecto, as concessionárias Claro, Algar Telecom, Oi, Telefônica Brasil e Sercomtel Telecomunicações apresentaram pedidos de reconsideração em face do Acórdão nº 162/2023, que aprovou (i) a revisão do cálculo da adaptação nos termos do Acórdão nº 516/2023-TCU-Plenário, e (ii) a proposta de revisão de ofício do fator de compartilhamento das classes dos tipos "Edifício" e "Terrenos" das concessionárias Telemar e Brasil Telecom.

Conforme solicitado nos pedidos de reconsideração, o Conselho Diretor garantiu efeito suspensivo ao Acórdão nº 516/2023-TCU-Plenário, mas ainda não os examinou no mérito e, conforme indicado acima, o prazo para análise foi prorrogado na última reunião do Conselho Diretor.

Como se vê, o tema do fim das concessões do STFC ainda passará por movimentações relevantes nos próximos meses, dependendo da definição do TCU sobre as resoluções consensuais em curso na Corte de Contas e da forma como as demais concessionárias se portarão em seus respectivos processos arbitrais, assim como dos desdobramentos das próprias soluções negociais em curso. 

A despeito disso, a adaptação da concessão para autorização, por meio de solução consensual tem se mostrado o cenário que melhor acomoda os interesses de todos os envolvidos.

Do ponto de vista do Poder Público, há a oportunidade de equacionar os passivos e contendas atualmente existentes, solucionando a celeuma dos bens reversíveis, diante da discussão com relação à reversão da posse ou propriedade e da dificuldade de determinação dos bens em uso para o STFC em regime público, e mitigando inclusive os riscos dos procedimentos arbitrais em curso, reduzindo a litigiosidade e possibilitando a continuidade do serviço de uma forma ordenada, sem a abrupta necessidade de assunção da prestação dos serviços pelo Estado, em um cenário hipotético de eventual intervenção.

Já para as atuais concessionárias, a adaptação consensual também se mostra interessante, pois permitiria a passagem do regime público, que impõe regras de universalização, continuidade e controle tarifário, para o regime privado, no qual o preço é livre e o serviço está sujeito à mínima intervenção e controle por parte da Anatel. Ademais, além da redução da carga regulatória, seriam solucionados os imbróglios relativos à sustentabilidade das atuais concessões e do regime dos bens reversíveis.

Os usuários, por sua vez, passariam por impacto mínimo na prestação dos serviços, tendo garantida a sua prestação pelas mesmas prestadoras sem a necessidade de celebração de novos contratos e/ou sujeição a outras ofertas de serviço, bem como a continuidade do STFC em localidades remotas e/ou rurais que não tenham acesso a outros meios de comunicação.

Quanto às incertezas decorrentes das soluções consensuais, há, contudo, uma novidade que é a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 1.183 ("ADPF nº 1.183"), apresentada pelo Partido Novo, no último dia 29 de julho, por meio da qual requer, de forma liminar, a suspensão dos efeitos da Instrução Normativa TCU nº 91/2022 ("IN nº 91/22"), que instituiu a Secex/Consenso e, no mérito, seja declarada a inconstitucionalidade da referida IN nº 91/22, com a consequente extinção da Secex/Consenso e anulação de todos os acordos celebrados até o momento.

A despeito disso, entendemos que, mesmo diante de uma remota hipótese de vir a ser declarada a inconstitucionalidade da Secex/Consenso, eventuais acordos entre a Agência e as concessionárias ainda poderão ser realizados por outras vias, por exemplo no âmbito da Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal, o que traria como efeito prático apenas o alongamento do prazo esperado para a efetiva adaptação das concessões ao regime privado.

Considerando todo o exposto, são esperadas muitas movimentações para o último ano do término dos atuais contratos de concessão.

Ticiane Franco é sócia do Rolim Goulart Cardoso Advogados. Derick Mendonça e Karina Müller são advogados associados do Rolim Goulart Cardoso Advogados. As opiniões expressas nesse artigo não necessariamente refletem o ponto de vista de TELETIME.

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