O ESG sempre passou por momentos de alta e baixa no cenário mundial. Eu costumo dizer que tais cenários são ciclos de "ascensão & priorização" alternados com os de "saturação & contestação", experimentados desde o final da década de 1990. Passado o atual ciclo de "ascensão e priorização" iniciado em 2020, onde o protagonismo da emergência climática e de ações afirmativas em diversidade e inclusão (D&I) prosperaram, entramos em um cenário marcado pela baixa (ou estagnação) no crescimento da economia global e por conflitos armados na Europa e no Oriente Médio, nos últimos 5 anos.
Tal contexto geopolítico, em um período no qual a liberdade de expressão passa a ter alcance mundial, é um terreno fértil para um novo ciclo de "saturação & contestação" do ESG amplificado, pela primeira vez na história, pelo alcance transnacional imediato. Mas será que esse novo momento é suficiente para reverter os avanços já experimentados pela sociedade? Vejamos!
Se olhamos para o recém encerrado primeiro semestre de 2025, a filosofia America First[1], a qual prioriza os interesses econômicos domésticos, se destacou como a principal influência que levou o debate sobre ESG de uma abordagem técnica para um viés politizado, criando um ambiente desafiador para as empresas que precisam navegar, não apenas pelas pressões regulatórias e de mercado, mas também por um ambiente onde a adesão a tais princípios são colocados à prova e pode ser percebida como posição ideológica ao invés de estratégia de negócios, potencialmente atraindo reações negativas.
Mas será que este novo paradigma americano é também o início de um novo paradigma global? Ainda é cedo para uma conclusão definita, mas, é evidente a influência e o impacto do America First no posicionamento corporativo de algumas empresas (não nos cabe aqui citar ou julgar). Se observarmos pela vertente da mitigação ao risco climático citada anteriormente, a retirada (pela 2ª vez) dos Estados Unidos do Acordo de Paris[2], em vigor a partir de 2026, é um ponto significativo que de certa forma pode vir a desestabilizar a arquitetura de cooperação internacional construída ao longo de décadas.
Para entender a motivação e relevância desta ação dentro na nova política interna, é importante ter em mente que a economia americana é fortemente baseada em carbono. De fato, a indústria americana coloca aquele país como o segundo maior emissor de Gases de Efeito Estufa (GEE) do mundo, atrás apenas da China no cenário global[3], atualmente seu principal adversário econômico atual. O contraponto é que nenhum dos outros 195 países signatários do acordo anunciou ou demonstrou sinais em seguir no mesmo rumo dos Estados Unidos.
Mesmo com políticas desfavoráveis e retração de investimentos no mercado americano em 2025[4], a transição energética para energias renováveis ainda demonstra forte viabilidade econômica frente ao uso de combustíveis fósseis. Dados da International Energy Agency (IEA)[5] calcularam que, em 2023, para cada US$ 1,4 em energia limpa, investidores americanos direcionaram US$ 1,0 para combustíveis fósseis demonstrando que não é uma transição filosófica ou política, mas uma questão de eficiência em OpEx que CEOs, CFOs e Conselheiros de grandes corporações globais não irão deixar de observar.
No longo prazo, a transição para uso de energia limpa, confiável e de baixo custo, permanece fundamentalmente viável, mesmo que mudanças políticas de curto prazo introduzam incerteza ou desacelerem temporariamente esse ímpeto. Tal expectativa no longo prazo se verifica em recente pesquisa com cerca de mil grandes empresas (>$ 1 bi) em diversos países realizada pelo Capgemini Capgemini Research Institute[6] onde, em termo globais, 62% das organizações investem em sustentabilidade motivadas pela redução de custos obtida e 82% investem para alavancar vendas (62% e 80% respectivamente, no mercado americano).
Olhando para a América Latina e países emergentes, tal política norte americana resultou (ou resultará) em cortes significativos no financiamento climático e na ajuda na ambiental para nações em desenvolvimento. Havia uma promessa de adição de $ 4 bilhões ao Fundo Verde para o Clima das Nações Unidas (GCF), mecanismo crucial para que os países em desenvolvimento mitiguem e se adaptem às mudanças climáticas, que representaria um acréscimo de 43% de fundo que não irá se concretizar (os Estados Unidos foram os maiores doadores, contribuindo com cerca de 21% dos atual $ 9,3 bilhões disponíveis no GCF[7]).
Entretanto, se voltarmos esse mesmo olhar para o cenário global de financiamento climático global, foram alcançados $ 1.3 trilhões (140x mais) de volume médio de investimentos em 2021/2022 (China, EUA, Europa, Brasil, Japão e Índia foram os maiores recebedores), segundo dados da Climate Policy Initiative[8], demonstrando a descentralização dos recursos. Os setores de energia e transporte, que também são os dois maiores setores emissores e onde o financiamento privado domina, atraíram a maioria dos fluxos de investimento (energia com 44% e transporte com 29%). Pensar em retrocesso global seira um cenário muito pessimista.
Mas é claro que estamos em um cenário de mudança. Ao renunciar à liderança climática global, os Estados Unidos abrem espaço para que outro ente preencha essa lacuna, como a União Europeia, demonstrando a natureza dinâmica da governança de cooperação global. O compromisso dos países membros em atingir emissões líquidas zero até 2050 permanece, além de ser esperado ainda em 2025[9], um novo acordo entre esses sobre os objetivos climáticos até 2040. A União Europeia vem avançando proativamente no estabelecimento padrões ESG com iniciativas significativas como o Acordo Verde Europeu, a Taxonomia da União Europeia e o Regulamento de Divulgação de Finanças Sustentáveis (SFDR), que exigem critérios de sustentabilidade e de divulgação abrangente de riscos para empresas que operam em sua jurisdição, inclusiva as americanas.
Um novo arranjo geopolítico se forma no campo da gestão climática, com a principal cadeira de liderança livre. A pergunta é quem irá sentar e liderar a pauta!
* Sobre o autor: Marcio Lino é sócio fundador da Colin Consultoria, executivo do setor de tecnologia e colabora periodicamente com TELETIME sobre temas da agenda ESG;
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[1] https://www.whitehouse.gov/presidential-actions/2025/02/america-first-investment-policy/
[2] https://www.whitehouse.gov/presidential-actions/2025/01/putting-america-first-in-international-environmental-agreements/
[3] Climate Watch: https://www.climatewatchdata.org/ghg-emissions?source=Climate%20Watch
[4] https://e2.org/releases/may-25-clean-economy-works/#:~:text=The%20latest%20cancellations%20%E2%80%93%20including% 20battery,create%20nearly%2012%2C000%20new%20jobs
[5] https://www.iea.org/reports/world-energy-investment-2024/united-states
[6] https://www.capgemini.com/wp-content/uploads/2025/04/Final-Web-Version-Research-Brief-Sustainable-Business-Value.pdf
[7] https://www.greenclimate.fund/about/resource-mobilisation/irm
[8] https://www.climatepolicyinitiative.org/publication/global-landscape-of-climate-finance-2023/
[9] https://climate.ec.europa.eu/eu-action/climate-strategies-targets/2040-climate-target_en