O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça iniciou a leitura do seu voto de vista no processo que trata da constitucionalidade do art. 19 do Marco Civil da Internet (MCI), que regula a responsabilidade de plataformas digitais sobre conteúdos de terceiros. Mendonça interrompeu a leitura no momento em que iria analisar o mérito da matéria. O julgamento do processo continua nesta quinta-feira, 5.
Nas preliminares do voto, Mendonça argumentou que as plataformas, em especial as redes sociais, podem ser consideradas viabilizadoras da democracia digital, já que permitiram uma maior abertura e participação da sociedade nos debates públicos.
Ele também apontou que, atualmente, o mundo vive um novo ecossistema de comunicação social disruptivo. "A partir do surgimento das novas tecnologias, as mídias tradicionais perderam relevância na divulgação de conteúdos. Isso foi substituído pelas mídias digitais", disse.
Liberdade de expressão
Outro aspecto reiterado pelo ministro André Mendonça foi a garantia da liberdade de expressão. Para o juiz, são necessários cuidados para não se criar iniciativas que de alguma forma venham a inibir a participação dos cidadãos nos espaços digitais.
"A rede mundial de computadores permitiu o surgimento de novas tecnologias. Apesar de reconhecer que as plataformas digitais ostentam um novo locus da esfera pública, espaços onde se processam as interações sociais, essas transformações fazem com que se promovam a transformação daquilo que chamamos de liberdade de expressão e de pensamentos", destacou Mendonça.
Dessa forma, apontou o ministro, é importante atacar as raízes daquilo que se pode chamar de fake news – causadas, segundo ele, pela crise das instituições. Mendonça também citou que de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 60% das pessoas no mundo conseguem distinguir informações entre verdadeira e falsa. No Brasil, essa média é de 54%.
"Estamos diante de um fenômeno que vai além da seara jurídica. Está para um campo maior, das ciências sociais. Hoje, é importante mostrar que temos dificuldade para analisar aquilo que pode ser verdade", disse o ministro do STF.
Ao mesmo tempo, ele ponderou que apesar da dificuldade, isso não significa que todo discurso mentiroso deve ser tolerado. "O que se quer dizer, é que pelo simples fato de ser mentiroso, o discurso não deve ser censurado. Mentir é errado, mas não necessariamente é crime", disse.
STF e redes sociais
Antes do ministro André Mendonça começar a ler o seu voto de vista, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, disse que o Supremo não está legislando sobre redes sociais quando analisa a constitucionalidade do art. 19 do MCI.
Nesse tom, Barroso rebateu críticas de que a Suprema Corte brasileira estaria invadindo competências do Congresso ao tratar do tema. Também criticou aqueles que dizem que o STF está promovendo censura dos usuários das redes sociais. Na ocasião, Barroso disse que o Judiciário está se debruçando sobre casos concretos, em que pessoas buscam seus direitos por meio de litígio judicial.
Importante destacar que, até o momento, o Congresso ainda não conseguiu aprovar uma legislação que desse conta de todos as questões discutidas em torno da responsabilidade das plataformas digitais.
Quem já votou
Até o momento, três ministros já votaram no processo que analisa a constitucionalidade do art. 19 do Marco Civil da Internet: Dias Toffoli, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso.
Toffoli, que é relator de um dos recursos em análise, defendeu que as plataformas digitais devem já agir de maneira extrajudicial ao se depararam com casos de conteúdos ofensivos e ilícitos.
Isso faria com que as plataformas atuassem sem esperar ordem judicial, bastando para isso uma notificação da vítima ou do seu representante legal. Nos casos mais graves, Toffoli defendeu que a big techs já atuem mesmo sem notificação extrajudicial.
Luiz Fux seguiu linha similar à de Toffoli, e também considerou o art. 19 do MCI inconstitucional. Para Fux, conteúdos qualificados como ofensivos ou irregulares devem ser retirados do ar assim que houve uma notificação da vítima.
Fux qualificou como conteúdos ilícitos discurso de ódio, racismo, incitação à violência, pedofilia, apologia à abolição violenta do Estado Democrático de Direito e apologia ao golpe de Estado.
Luís Roberto Barroso, por sua vez, apresentou em seu voto uma espécie de modulação, em que as plataformas assumem responsabilidade de maneira parcial. Em casos como crimes contra a honra e ilícitos não penais, a decisão judicial se torna necessária para a remoção de conteúdos. Já para outros crimes, como os envolvendo pornografia infantil, suicídio, tráfico de pessoas, terrorismo e ataques à democracia, as plataformas devem retirar de imediato.
Ele também atribuiu às plataformas responsabilidade sobre anúncios e conteúdos impulsionados mediante pagamento.