Os benefícios de regular a inteligência artificial e quais diretrizes estabelecer para o uso da tecnologia ainda não estão claros para as empresas de telecom, afirmam representantes do setor.
No segmento, a preocupação está muito mais atrelada à usabilidade do que na definição de regras, afirma o chief innovation & digital officer da Claro, Rodrigo Duclos, em debate sobre IA e segurança cibernética promovido pelo escritório de advocacia Machado Meyer em parceria com a Alvarez & Marsal nesta terça-feira, 4.
"Eu sinto que é muito cedo ainda para se definir regras. Está todo mundo tateando, tentando aprender o que é, como usar, como vai evoluir e como é que a gente vai usar isso na produtividade da empresa, que acaba se transformando em benefício para a cliente", afirmou Duclos.
"A gente corre o risco sempre de inibir a experimentação e a criatividade quando revisa sem saber exatamente o que está regulando", completou.
"Janela de oportunidades"
Natasha Nunes, diretora jurídica, tributária e gestão da Conexis, entidade que representa as principais operadoras do país, concorda que há riscos.
Para ela, o País vive uma "janela de oportunidades" com a regulação para o uso e desenvolvimento de IA aprovada na União Europeia, o que coloca o Brasil sob pressão para a definição de diretrizes.
"Quando a gente ouve os propulsores (as empresas) que estão no dia a dia, ainda não está claro exatamente o que está sendo regulado", diz Nunes. "Se a gente observa todas as teorias do direito da regulação, a gente vai tentar prever uma regulação que abrange toda a questão da inteligência artificial, que ainda não entendemos tanto."
Contribui para essa pressão por novas regras a polarização e a disputa política no País e no mundo. Neste sentido, há atores importantes, como o Judiciário, que tem um papel ativo sobre o controle das redes, e o Legislativo, que de um projeto de lei mais permissivo, em 2021, passou a trabalhar para ter um controle maior a partir do PL 2338/2023, de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirma.
Além disso, as discussões devem passar pelos diferentes níveis de maturidade das empresas e segmentos da economia, acrescenta a diretora da Conexis. "Os setores regulados já têm agências prontas para aplicar a regulação. E os setores não regulados, que muitas vezes é onde hoje estão os maiores riscos do uso da inteligência artificial, quando eles estarão prontos?", questiona.
Regulação própria
Para a sócia de direito digital e proteção de dados do Machado Meyer, Juliana Abrusio, adotar em território brasileiro a legislação aprovada na União Europeia sem observar a realidade local será uma "falha grande". Ela diz que é necessário buscar um equilíbrio entre a promoção da inovação e as responsabilidades de uso das aplicações.
"A gente vê como a está funcionando a inteligência artificial nos operadores, dentro da sua empresa, o que estão fazendo e seguindo, para entender quais são esses efeitos. Com um olhar mais maduro e mais rico, o regulador vai estabelecer uma lei", afirma Abrusio. "Quando o regulador estabelece uma lei, é top-down (passa a ser obrigatório)", completa.
Enquanto uma legislação não é aprovada, a sócia do Machado Meyer entende que os consumidores estão protegidos de eventuais posturas inadequadas das empresas por meio de mecanismos como o Código de Defesa do Consumidor ou a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), por exemplo.
Cuidados
O especialista em regulação e assessor do superintendente executivo da Anatel, Andrey Perez, explica que uma das preocupações do órgão regulador diz respeito à segurança na utilização da tecnologia.
"A norma de cibersegurança está em processo de revisão pelo conselheiro Alexandre [Freire, da Anatel]. Ele está tentando se antecipar às principais tendências e necessidades, e uma das conclusões desse primeiro diagnóstico foi da variedade e heterogeneidade da cibersegurança", afirmou, a respeito da tomada de subsídios pela agência.
A pedido de algumas associações setoriais de telecom, a Anatel inclusive adiou até o dia 24 de julho a consulta pública que trata de inteligência artificial.
Já Tiago Maranhão, diretor de conteúdo da Vibra, spin off de tecnologia do Grupo Bandeirantes, tem uma visão diferente. Ele diz que é necessário novas regras o quanto antes. "Ao mesmo tempo que é cedo, tudo é muito acelerado".
Segundo Maranhão, o risco é cometer erros do passado que poderiam ter sido evitados no caso das mídias sociais. "A gente está falando de danos pessoais, como espalhar fake news e manipulação de uma série de coisas bem sérias."