SGDC: um pequeno passo, mas muitas incertezas

Décollage depuis Toucan, le 09/03/2016 - VA229.

O lançamento com sucesso do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicação (SGDC), nesta quinta, 4 de maio, é um fato que pode ser comemorado, dado o esforço de planejamento e investimentos feitos pelo Estado brasileiro, que colocou quase R$ 2,8 bilhões no projeto e muitas horas de esforço de dezenas de profissionais. Também marca um novo momento para a Defesa, que há mais de uma década reclama maior autonomia na sua capacidade de comunicação via satélite, algo que de fato poucos países do mundo têm. Mas é necessário fazer algumas ponderações e contextualizações.

Primeiro, um registro histórico: o Brasil não entrou no mundo da tecnologia de satélites de comunicação apenas agora. A Embratel, ainda nos anos 80 (a estatal lançou seu primeitro satélite em 1985) foi um centro de desenvolvimento de conhecimento e profissionais para a indústria. De lá saíram dezenas de profissionais que ocuparam posições de liderança em todos os níveis da indústria de satélites do mundo, de executivos de grandes operadoras a reguladores internacionais. Boa parte desses profissionais segue na ativa, inclusive na atual Telebras. A própria Embratel, já privatizada, permaneceu uma empresa com 100% de sua operação no país (hoje rebatizada de StarOne) e com muitos dos profissionais ainda da época estatal no quadro atual. As outras várias empresas operadoras de satélite que atuam no Brasil também têm entre seus profissionais pessoas formadas nessa era pioneira do final do século passado.

O SGDC é um marco sem dúvida, mas ainda é um projeto que precisa de rumo e clareza para fazer sentido. Primeiro, porque custou muito caro. Não existe referência de projetos comerciais que tenham custado o que o Brasil pagou para um satélite. Justifica-se com a transferência de tecnologia e com a infraestrutura inicial da Telebras, mas ainda assim é uma conta salgada para a sociedade.

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O SGDC tem hoje um plano de negócios em que a venda da capacidade para a iniciativa privada é o eixo central. O leilão deve acontecer nos próximos meses. O argumento do governo para seguir esse caminho é a impossibilidade de colocar mais recursos públicos no projeto. O ministro Gilberto Kassab, por sua vez, anunciou convênios com o Ministério da Educação e da Saúde para projetos que utilizarão a capacidade do SGDC, via Telebras. Não se conhece os detalhes destes convênios, mas segundo ele, são recursos que, juntamente com o uso pela Defesa, viabilizariam o projeto. Fica a dúvida, então, se de fato seria necessário à Telebras leiloar a maior parte da capacidade para a iniciativa privada.

Mas mesmo que o plano de negócios seja mantido e o leilão da capacidade do SGDC ocorra, restando para a Telebras pouco mais de 20% da capacidade do satélite, ainda há dúvidas sobre como serão estabelecidas estas parcerias entre a estatal e as empresas que vencerem o leilão, quais os limites de atuação das empresas privadas em cima da capacidade do satélite e quais as restrições de uso para atendimento ao próprio governo.

Tudo indica que um dos projetos prioritários do governo com o SGDC será o atendimento a escolas. Os detalhes do projeto ainda não são públicos, mas o Brasil tem cerca de 100 mil escolas que poderiam ser conectadas por alguma rede. Muitas são atendidas pelos hoje modestos 2 Mbps do Banda Larga nas Escolas, mas muitas ainda não tem nem luz elétrica. O SGDC dará conta desta  demanda? Com que capacidade? Segundo as contas do governo, sim. Mas este noticiário ainda não viu números que permitam assegurar a viabilidade do projeto dentro da capacidade que restará à Telebras.

Por fim, existe o futuro do projeto do SGDC. Desenvolver a tecnologia e o conhecimento na área aeroespacial seria uma grande conquista para o país, em um momento em que o mundo vê surgir foguetes reutilizáveis, grandes constelações de satélite voltadas à banda larga, turismo espacial, centenas de aplicações proporcionadas por microsatélites e uma quantidade de inovações impressionante para uma indústria cujos ciclos de planejamento precisam ser longuíssimos. O Brasil já perdeu algumas oportunidades. A primeira foi quando decidiu privatizar a Embratel sem levar em conta o impacto que isso teria justamente no desenvolvimento da tecnologia de satélites. Perdeu e perde oportunidades no desenvolvimento da Base de Alcântara, uma das melhores posições do mundo. Parou o projeto do veículo lançador de satélites próprio depois do trágico acidente com o VLS-1 em 2003, jogou dinheiro fora com a parceria com a Ucrânia num projeto sem rumo. A última aposta foi no modelo de transferência de tecnologia do SGDC para, um dia, conseguir desenvolver o seu próprio satélite de comunicação. A transferência que houve com o SGDC até aqui foi apenas uma parte pequena desse processo de capacitação. Se não houver continuidade no projeto, certamente o conhecimento acumulado se perde. Por outro lado, é evidente que os futuros satélites não poderão custar o mesmo que o primeiro SGDC, pois não haverá recursos públicos para isso. Também não se sabe se o projeto conseguirá financiar a sua própria expansão, ainda que a Telebras garanta que sim.

O SGDC é, portanto, um projeto que todo mundo torce para dar certo e sabe que é importante, porque é uma área cada vez mais relevante, em que poucos países detêm a tecnologia. Mas sobre o projeto ainda pairam tantas incertezas que fica difícil comemorá-lo como um grande avanço. Um pequeno passo foi dado, mas os próximos precisam ser claros, objetivos e transparentes.

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