Quando o edital do 5G foi concluído em 2021 e o Gaispi constituído para coordenar a implementação das metas estabelecidas no edital, a "bola mais quadrada" das metas estabelecidas com recursos do leilão era a rede privativa para o governo, demandada pelo Ministério das Comunicações de Jair Bolsonaro. Na época, não era segredo para ninguém que a demanda por uma rede privativa governamental era uma "solução" para resolver o problema da presença da Huawei no mercado brasileiro. Bolsonaro e seus apoiadores tinham o enfático discurso contrário aos fornecedores chineses, mas precisavam conviver com o fato de que a Huawei era o principal fornecedor de tecnologia no país.
Havia ainda (e ainda existe) uma forte pressão do governo dos EUA para o banimento dos operadores chineses, Huawei especificamente, do mercado de 5G no Brasil, o que era inviável do ponto de vista prático, tamanho o nível de presença da fabricante junto às redes das operadoras. Para "acalmar" os ânimos dos apoiadores e de Bolsonaro e dar uma saída honrosa para o então presidente junto a seu eleitorado, desenhou-se a ideia de que o Brasil teria uma rede privativa para uso exclusivo do governo, sem equipamentos Huawei.
"Aquela demanda chegou de forma muito tensa junto à Anatel e tivemos que ser muito duros com o ministério, porque uma coisa daquela só seria sustentável como uma política pública", diz o conselheiro da Anatel e presidente do Gaispi, Moisés Moreira.
Fato é que, até agora, esse é o único projeto que o Gaispi precisa supervisionar que está atrasado. "A verdade é que a gente não tem muito ideia do que vai ser essa rede privativa", diz Moreira. Por sorte, o edital tampouco estabelece prazo para a implementação da política.
Ele diz que o Gaispi e, portanto, a EAF (empresa que fará a implementação da rede), aguardam orientações, mas isso depende do governo, que será o usuário. "Não sabemos se vai ter ou não restrição a algum fornecedor. Na verdade, não sabemos sequer o tamanho dessa rede", diz Moreira.
Ele explica que quando o edital de 5G ainda estava no TCU, a Anatel recebeu um projeto preliminar do ministério prevendo a instalação de 6 mil pontos de conexão em todo o Brasil. Mas recentemente o Ministério das Comunicações atualizou esses números, e só recebeu demanda para 800 pontos. "Não dá para dizer que seja isso mesmo porque pode ter sido uma dificuldade na virada do governo, ministérios sendo montados. Mas o fato é que se for uma rede para esses 800 pontos, ela é insustentável do ponto de vista operacional", diz Moreira, que aguarda mais estudos do Executivo.
Segundo Moreira, essa diferença de tamanho projetado pode até ser positiva no sentido de que a rede, orçada em R$ 1,5 bilhão, custar menos. "Nada consegue demover o que está no edital. Precisamos finalizar o que está previsto e qualquer outra destinação de recursos é complexa e precisa de uma nova política e orientação do governo para cumprir essa obrigação de maneira diferente da prevista no edital e combinada com o TCU", diz o conselheiro da Anatel. "Não vejo espaço para se desistir da rede privativa, porque temos uma responsabilidade com o que foi estabelecido no edital, mas tampouco podemos decidir como fazer sem que o governo indique a demanda real e como essa rede vai ser mantida depois", diz ele. Vale lembrar que no final do governo Bolsonaro a, Telebras recebeu a incumbência de ser a operadora da rede privativa.