Passada uma semana do horrível acidente em Brumadinho, no estado de Minas Gerais, que ceifou centenas de vidas e provocou irreparáveis danos ao meio ambiente, escrevo pautando o tema da responsabilidade, mas o interconectando com as atribuições das agências reguladoras brasileiras.
Normalmente os gerentes na administração privada, ou os gestores na administração pública, quando se apresentam e falam sobre o que executam em suas organizações, o fazem das mais variadas maneiras. A grande maioria diz: ¨sou o diretor da divisão de projetos", ou "sou a chefe de recursos humanos". Poucos dizem: "sou o responsável pela elaboração de políticas setoriais", ou "sou a responsável por uma empresa de mineração".
Parodiando Peter F. Drucker, em "O Gerente Eficaz": quem focaliza os esforços e que enfatiza sua autoridade sobre os que estão abaixo dele é um subordinado, independentemente da elevação de seu título ou posição. Mas aquele ou aquela que focaliza a contribuição e que assume responsabilidade por seus atos é, no mais literal sentido da palavra, "alta administração". É responsável pelo desempenho do conjunto.
No Ministério das Comunicações, fui responsável pela fiscalização e outorga dos serviços e, na sequência, também, o responsável pela secretaria-executiva do ministério. Fui ainda ministro de Estado responsável pelo setor. No último biênio, tive a responsabilidade de presidir o conselho diretor da Anatel, observando as competências legais de regular, outorgar e fiscalizar o setor. Essa vivência, tanto no ministério quanto na agência, me faz apreciar a contribuição e responsabilidade dos atos deliberados.
Pois bem, são agências reguladoras (com número de servidores, base Set 2018, Fonte: Portal Transparência): Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa (2.333 servidores), Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel (2.041 servidores), Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC (1.855 servidores), Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT (1.557 servidores), Agência Nacional de Petróleo – ANP (1.149 servidores), Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS (1.062 servidores), Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel (930 servidores), Agência Nacional de Transportes Aquaviários – Antaq (569 servidores), Agência Nacional de Cinema – Ancine (562 servidores) e Agência Nacional de Águas – ANA (513 servidores). Há ainda a Agência Nacional de Mineração – ANM (número de servidores não disponível).
No caso da Anatel faço um adendo. O limite disposto na Lei 10.871/2004 é de 1.690 servidores. Ao final de 2018 a agência deve ter encerrado o ano com um efetivo em torno de 1.400 servidores. Há necessidade de reposição, pelo menos, dos servidores que se demitem ou se aposentam, mas as autorizações ministeriais solicitadas não ocorrem. Creio que a necessidade de reposição de pessoal deva ser um dos problemas comuns em todas as agências reguladoras.
Outro problema delicado é a alocação de recursos orçamentários das agências reguladoras. Nesse contexto, quando da elaboração de sua proposta orçamentária para 2018 e amparada nas determinações do Acordão 749/2017-TCU-Plenário, a Anatel apresentou demanda de recursos que visavam dar as condições requeridas para a atuação da agência de telecomunicações no Brasil e tratar um passivo de projetos importantes para a instituição represado em função das restrições em exercícios anteriores. A Anatel conseguiu, mas nem todas as agências reguladoras conseguem aprovação de suas propostas orçamentárias.
Com os acontecimentos em Brumadinho (MG), o Poder Executivo deve proibir a construção de estruturas como refeitórios e prédios administrativos em áreas próximas às barragens. As decisões foram tomadas após o Conselho Ministerial de Supervisão de Respostas a Desastres recomendar (28/01/2019) uma revisão na condição de segurança das barragens do Brasil.
De acordo com o Relatório de Segurança de Barragens, elaborado pela ANA a partir de informações prestadas por órgãos fiscalizadores, o Brasil tinha 24.092 barragens em 2017. O governo federal decidiu, em reunião (29/01/2019), priorizar a fiscalização de 3.386 barragens com maior potencial de risco às vidas humanas no país.
As agências reguladoras responsáveis por tais fiscalizações contam com os recursos orçamentários, de pessoal e regras aplicáveis para o desempenho dessas funções emergenciais?
Nos momentos de pressões para tomada de decisão, quando as pressões obrigam tomá-las, as causas importantes são sacrificadas. As pressões sempre favorecem o ontem; o que aconteceu, contra o futuro; a crise contra a oportunidade; o imediato e visível, contra o real; e o urgente, contra o relevante.
Reportagem publicada em 31/01/2019 pelo jornal O Estado de S. Paulo mostrou que uma omissão do Congresso Nacional impediu o aumento do valor das multas aplicadas a mineradoras pela Agência Nacional de Mineração (ANM). A proposta estava prevista em Medida Provisória (MP) enviada pelo Poder Executivo. Ao deixar caducar a MP, os parlamentares mantiveram o teto das multas às mineradoras em R$ 3,2 mil. Pela MP, o valor seria elevado para R$ 30 milhões.
A omissão do Congresso Nacional não somente impediu o aumento do valor das multas aplicadas a mineradoras pela ANM como, pasmem, levou por terra (como na Barragem de Brumadinho) a exigência para que diretores do órgão regulador tivessem experiência na área que vão fiscalizar.
Cabe ao Poder Executivo, como também responsável pelas políticas públicas setoriais, promover junto ao Poder Legislativo o encaminhamento político sobre as leis necessárias aos setores e suas agências, incluindo recursos orçamentários, quadro de pessoal e experiência profissional de seus dirigentes na área de atuação, focando as demandas que a sociedade realmente deseja, elevando assim a equidade e a eficiência da economia nacional.
Os poderes Executivo e Legislativo precisam prestar atenção à velocidade das mudanças em direção ao futuro do Brasil. O Estado precisa acompanhar essas mudanças com a cadência exigida pela sociedade brasileira. (* – O autor é engenheiro eletricista, ex-ministro de Estado das Comunicações e ex-presidente da Anatel).
Mais um excelente conteúdo do Sr Quadro, perfeita a colocação de que a responsabilidade baseada em missão, visão e objetivos deveria trazer a maestria dos resultados – que possibilita, por exemplo,as análises preeditivas, e não pela função ou papel que muitas vezes somente carregam os egos e centralizam tomadas de decisão de forma simplesmente reativa.
É realmente uma grande responsabilidade das agências a fiscalização do setor. Mas a parte da responsabilidade deve cair sobre os ombros das empresas, já que são elas que destinam as verbas para a execução das obras que apresentam riscos às pessoas e ao ambiente. A Vale (Redescobrindo o estouro de barragens!) informa à justiça de Minas Gerais que as demais barragens que usam o mesmo sistema contenção barato usado em Mariana e em Brumadinho estão com a documentação e os laudos em dia! Ora, e as que já estouraram também não estavam com as obrigações em dia? A fiscalização tem que ser mais responsiva: não são as agências que devem arcar com a responsabilidade de aprovar uma "caca" das empresas e isenta-las de todas as consequências. Se em Mariana a mineradora tivesse arcado com todo o prejuízo e os responsáveis pela "caca" devidamente punidos talvez Brumadinho não estaria hoje procurando seus desaparecidos.