Foi retirado de pauta na Comissão de Comunicação (CCom) da Câmara dos Deputados o projeto de lei 469/2024, que proíbe operadoras de telecom de cobrarem empresas de Internet com base na geração de tráfego de dados. O texto só deve voltar à discussão em 2025.
A decisão foi tomada pelo presidente da CCom, Silas Câmara (Republicanos-AM), após a realização de uma esvaziada audiência pública sobre o tema nesta terça-feira, 3. O PL 469/2024 é de autoria do deputado David Soares (União-SP).
"Quero já antecipar que vou retirar [o projeto] de pauta de ofício, porque percebo que a gente pode melhorar muito o debate que envolve essa proposição de lei, em função até da ausência dos parlamentares, que eram as pessoas que tinham dúvidas […]. Tendo em vista que só temos mais duas reuniões este ano, vamos retirar de pauta para amadurecer um pouco mais o entendimento", afirmou Câmara.
Após a CCom, o projeto que proíbe a cobrança das teles sobre as big techs ainda precisa passar pela Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara, de onde, caso aprovado, poderá ser remetido ao Senado.
O debate em questão envolve o chamado de "fair share"(como as teles chamam a discussão) ou "taxa de rede" (na visão das empresas de Internet). Durante a audiência na Câmara, o PL 469 recebeu apoios, mas também manifestações contrárias.
Um dos apoios veio do diretor executivo da Aliança pela Internet Aberta (AIA), Alessandro Molon, que é ex-deputado federal. Ele elogiou o texto original do PL e o relatório na CCom da deputada Silvye Alves (União-GO), argumentando que a proibição seria um "aperfeiçoamento".
Segundo Molon, eventuais cobranças resultariam em preços mais altos ao consumidor de serviços digitais. Em paralelo, ele defendeu que as operadoras brasileiras estão em situação financeira confortável para seguir realizando investimentos, mas que em vez disso, têm optado pela distribuição de dividendos.
Representando a Abrint, que agrega pequenos provedores regionais de banda larga, o diretor presidente da entidade, Mauricélio Oliveira, também se colocou contra o fair share e de forma favorável ao PL 469.
"O tráfego gerado pelas big techs não é problema, é solução", afirmou o dirigente. Segundo Oliveira, impactos do consumo gerado pelas plataformas não preocupam os operadores de redes fixas reunidos na entidade, que também apontam investimentos em redes de distribuição de conteúdo (CDNs) pelas big techs como elemento de redução de custos para as empresas regionais.
Teles contra
Já as entidades que representam as grandes operadoras atuantes no Brasil foram contra o projeto tema da audiência – considerado por elas como uma possível "trava" para evolução das regras atuais.
Presidente executivo da Conexis Brasil Digital, Marcos Ferrari defendeu que o futuro do ecossistema digital depende de um diálogo entre os dois setores e rechaçou que a proposta do fair share possa ferir a neutralidade de rede instituída pelo Marco Civil da Internet. Ele também defendeu que o Brasil precisará fazer uma escolha entre setores que geram ganhos sociais ao País e aqueles que não geram.
Já Lucas Gallitto, da GSMA, concordou que o crescimento de tráfego em níveis atuais coloca em risco a sustentabilidade dos investimentos em infraestrutura. Além de pontuar que 70% dos tráfego em redes móveis é gerado por três grandes grupos (Meta, Alphabet e TikTok), ele também citou estudo da Universidade de Braga apontando que até 30% do tráfego gerado por uma big tech pode ser não solicitado pelo usuário (como publicidades ou pré-carregamentos).
Uma posição diversa veio da Associação Neo, que representa prestadoras de pequeno porte (PPPs) do setor de telecom. Apesar de não ser entusiasta do fair share, a entidade também não é favorável ao PL 469. Representando a associação, o consultor e ex-senador Aníbal Diniz afirmou que a proposta pode afetar a livre concorrência e que não há lado vulnerável na discussão que justifique uma intervenção estatal ou regulação adicional.
Regulação mais ampla
Segundo o presidente da CCom o ideal seria discutir o tema em um debate mais amplo. De preferência, dentro do contexto de uma nova regulação para o ambiente digital.
"Para qualquer proposição que trata sobre o mundo digital, o que se queria mesmo é que fosse construído na Casa Legislativa um marco regulatório que pudesse alcançar todas as variáveis", afirmou Silas Câmara, lembrando ainda que o Supremo Tribunal Federal (STF) também vem discutido aspectos do Marco Civil da Internet.
"Por perda absoluta de oportunidade do Congresso de fazê-lo, o Supremo Tribunal Federal mais uma vez vira protagonista em um assunto tão relevante para o País. Parte da população acha que eles estão se arvorando sobre as prerrogativas de Poderes, quando na verdade nós estamos perdendo a oportunidade de construir juntos um arcabouço legislativo e um marco regulatório bem debatido para que a população possa ter uma lei de qualidade".
Um dos fatores que pesou na decisão de adiamento do processo foi a abordagem da Anatel durante a audiência pública. Superintendente substituto de Planejamento e Regulamentação da agência, Felipe Lima ressaltou a importância de considerar o PL 469/2024 em conjunto com outras propostas em tramitação no Congresso, como o PL 2.768/2022, que regulamenta as plataformas digitais, e o PL 2.630/2020, conhecido como PL das Fake News, que trata da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.
Adicionalmente, mencionou que o tema central do PL 469/2024, remuneração pelo uso de redes, é assunto constante na pauta da Agência desde sua criação, das redes de telefonia fixa àquelas atuais conectadas à Internet.
(Matéria atualizada para correção do nome da Associação Neo, erroneamente chamada de TelComp em uma primeira versão)