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O poste nosso de cada dia

Conhecemos os dilemas do compartilhamento do uso de postes, mas não conseguimos, ainda, endereçar o tema de forma razoável. Por que será?

Se o mercado elétrico optasse pelo uso exclusivo da infraestrutura de postes, haveria capacidade ociosa e perda de receita potencial do uso compartilhado, gerando ineficiência produtiva. Se o mercado de telecomunicações restasse impedido do uso compartilhado dos postes, os recursos financeiros necessários para a construção de infraestrutura própria seriam proibitivos.

A fixação do preço de referência em 2014 atendeu à necessidade de cercar o poder de mercado das distribuidoras, haja vista que a racionalidade econômica e jurídica do compartilhamento da infraestrutura de um monopólio natural encontra respaldo indiscutível na doutrina das essential facilities. Aliás, no que concerne à aplicação da lei antitruste aos mercados submetidos à regulação setorial, não é de hoje que o Cade entende que as duas esferas de intervenção do Estado na Ordem Econômica são complementares.

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A previsão regulatória do preço de referência é uma importante conquista, mas ainda insuficiente. De um lado, as elétricas restam desincentivadas pelo fato da receita advinda do compartilhamento do uso dos postes ser direcionada à modicidade tarifária (60%) e ao pagamento de impostos (9%). Essa é a mesma modicidade que assegura pouco menos de meio ponto percentual de redução nas contas de energia elétrica de todos nós, brasileiros. Sim, menos de meio ponto percentual.

De outro lado, vemos um mercado de telecomunicações que briga por espaço, sofre com a desordem das fibras e o avanço da clandestinidade, resta penalizado pelas cobranças de preços distorcidos, sem qualquer poder de barganha ou diálogo tanto com relação à volumetria de pontos, quanto em face das constantes imposições técnicas desarrazoadas e abusivas. Verdadeiras barreiras de entrada, inclusive fora dos grandes centros urbanos e em localidades mais afastadas.

Embora a solução tenha sim pontos críticos – preço e regularização de redes – e seja fundamental estar ciente disso, endereçar o problema de forma completa exige uma multiplicidade de cuidados. O propósito desse artigo é trazer à tona alguns deles, aproveitando da abertura do prazo de consulta pública, pela Aneel, a partir do dia 02 de dezembro.

Este cuidado começa com as definições – Exploradora de Infraestrutura e Oferta de Referência de Espaço em Infraestrutura – e segue com o conceito de cessão do direito de exploração comercial de Espaços em Infraestrutura.

Qualquer forma de integração vertical ou horizontal entre Exploradora de Infraestrutura e empresa detentora de outorga de serviço de telecomunicação mina, em absoluto, a segurança jurídica e a confiança do mercado na regulação proposta, bem como distorce qualquer vantagem que poderia advir das economias de escopo.

Já com relação à Oferta de Referência de Espaço em Infraestrutura, o princípio da não discriminação apenas restaria preservado se tais ofertas não impusessem garantias para autorização de novas ocupações, mesmo para os cenários de rede à revelia ou inadimplência sob discussão, ou mesmo a fixação de valores diferenciados e “livremente pactuados” para outros equipamentos alocados nos postes, além dos próprios cabos.

Um ponto deve restar claro: não há que se falar em liberdade de pactuação. Embora o nosso mercado de telecomunicações seja (felizmente) mais pulverizado se comparado ao setor elétrico, os nossos pleitos convergem.

Em paralelo, parece ainda haver um “esquecimento” dos clandestinos, aquelas empresas que não têm sequer contrato firmado com as elétricas, causadores de absoluta desordem e desincentivo ao setor, ao passo de um enrijecimento às empresas regularmente contratantes, que pagam caro e buscam, de forma incessante, caminhos de diálogo para resolver o problema e regularizar suas redes.

Diante dos cuidados com as definições acima, agora o outro elemento chave: a cessão da exploração comercial. Para que os incentivos alcancem ambos os setores, a cessão não pode ser um mero contrato firmado entre elétrica e Exploradora. Os reguladores devem estar atentos à importância de se estabelecer uma dinâmica própria, via RFPs previamente homologadas pelas Agências, de modo a convergir para os benefícios de um leilão invertido, assegurando que o vencedor seja aquela empresa que oferecer o menor preço cobrado das empresas de telecomunicações pelo uso compartilhado do poste, desde que garantido o retorno econômico-financeiro para a distribuidora de energia elétrica, fixado na RFP.

Quanto ao preço, a sua fixação deve ser feita através de ato conjunto das duas agências reguladoras para cada distribuidora de energia elétrica na ocasião do seu processo de Revisão Tarifária Periódica – RTP. Sim, ato conjunto. Não faz qualquer sentido discutir uma nova Resolução Conjunta se o Preço restar estabelecido por apenas um dos atores do processo.

O preço de referência (R$ 4,53 referenciado em fevereiro de 2021, reajustável pelo IPCA) deve servir como referência não apenas até que seja publicado o respectivo ato conjunto, mas também como referência para a homologação, pelas Agências, das próprias Ofertas de Referência de Espaço em Infraestrutura.

Também, a eventual previsão de critérios objetivos e isonômicos para eventual concessão de descontos pela Oferta de Referência de Espaço em Infraestrutura não pode representar, mesmo que de forma indireta, barreira de entrada para prestadoras de pequeno porte ou mesmo desequilíbrio competitivo entre as empresas, haja vista que os preços devem ser orientados a custo.

Já com relação à dinâmica de regularização de redes, não menos relevante, a Abrint apresenta alguns ajustes e sugestões em seu position paper sobre a nova Resolução Conjunta, acessível aqui.

Nesse momento, trata-se da construção de um ambiente institucional favorável, amparado por uma nova resolução conjunta, em que os dois mercados buscam alinhamento de expectativas, balizados pelos pressupostos da livre concorrência e não discriminação. E para isso, nada melhor que compreender e repensar o que foi colocado à mesa.

* Sobre o autor – Cristiane Sanches é conselheira da Abrint

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