As empresas do Grupo Globo Comunicações estão proibidas de celebrar novos contratos de plano de incentivo – como a bonificação por volume (BV) – e de realizar adiantamentos, seja em contratos vigentes ou futuros. O grupo está sujeito ao pagamento de multa diária de R$ 20 mil caso descumpra as obrigações impostas por medida preventiva adotada pela Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (SG/Cade) em inquérito administrativo instaurado nesta quarta, 2, para apurar indícios de condutas anticompetitivas em contratos firmados com agências de publicidade. A manifestação do Cade está disponível aqui.
O escopo do inquérito são os planos de incentivo adotados na relação com as agências de publicidade, com destaque para a BV, incentivo concedido às agências de publicidade pelos veículos de mídia de acordo com o volume de investimentos feitos pela agência naquele veículo. De acordo com a autarquia, a medida preventiva foi adotada para evitar prejuízos ao mercado e "para fazer cessar os efeitos anticompetitivos das práticas investigadas".
Exercício abusivo vs prática legal
De acordo com a SG/Cade, há indícios de que a forma como a Globo concede a bonificação por volume às agências decorre de exercício abusivo de posição dominante e induz à fidelidade contratual. Para o órgão, é ainda prática possivelmente problemática do ponto de vista concorrencial o adiantamento da bonificação. Tal prática promoveria aumento no grau de dependência econômica das agências junto ao veículo de mídia. Ao receber o adiantamento, a agência estaria em débito, devendo assegurar que seus futuros trabalhos sejam suficientes para garantir percentual de bonificação equivalente ao já recebido. A prática, contudo, é corriqueira no mercado de mídia, e inclusive tem previsão nas normas setoriais.
O inquérito é consequência de Procedimento Preparatório instaurado em fevereiro deste ano para investigar possíveis práticas anticompetitivas no setor de publicidade e propaganda de forma mais ampla. Para tal procedimento o Cade solicitou, dentre outras, informações sobre contratos firmados entre agências e veículos de mídia, com a respectiva exibição do instrumento contratual, além de dados sobre a remuneração dos contratos e a representatividade dos valores no faturamento das agências. Observadores familiarizados com o caso detectam, contudo, indícios de que se trata de uma movimentação estimulada pelo governo Bolsonaro contra a Globo, pela seletividade com que o tema foi tratado pelo Cade. Bolsonaro já se manifestou seguidas vezes em oposição pública à Globo e afirmou que a emissora poderia perder a sua concessão se fosse detectada alguma irregularidade em suas práticas. Nos últimos anos, as principais questões concorrenciais enfrentadas pela Globo diziam respeito a direitos esportivos e exclusividade de canais na TV por assinatura.
Só a Globo
A bonificação por volume é prática difundida no mercado de mídia e, conforme aponta o próprio relatório público do Cade, encontra amparo nas Normas-Padrão do CENP, além de ser reconhecida pela legislação que trata das contratações de serviço de publicidade pela Administração Pública. No entanto, o inquérito administrativo é direcionado exclusivamente à Globo e restrito ao mercado de publicidade tradicional em TV, passando ao largo de dinâmicas mais recentes do mercado, com a chegada das empresas de Internet e os modelos de publicidade programática.
Ao justificar a diferença de tratamento, a SG/Cade aponta que os planos de incentivo só se tornam uma preocupação para o direito antitruste quando representem, potencial ou efetivamente, uma forma de restrição da concorrência em determinado mercado. "Para que haja caráter ilícito no programa de desconto, a conduta deve ser pratica por agente com poder de mercado no segmento de origem e que consiga produzir seus efeitos em parcela substancial do mercado alvo", consta no relatório. A prática de BV pela Globo é apontada por vários especialistas, há muitos anos, como um fator de vantagem competitiva, mas não é uma prática nova. Há décadas a Globo pratica esse modelo, seguido por outras emissoras e, mais recentemente, pelas próprias empresas de Internet.
A SG/Cade optou por abrir o inquérito administrativo referente exclusivamente aos segmentos de TV aberta e TV por assinatura, embora aponte a percepção, por parte do setor, de uma transformação relevante motivada pela entrada de plataformas digitais no mercado de venda de espaço/tempo publicitário, mencionando as redes sociais Facebook, Instagram e Twitter e, estranhamente, cite os serviços de streaming Netflix e Prime Video, que não comercializam espaço publicitário.
Segundo o órgão, "há sensíveis diferenças na mecânica de funcionamento e, até mesmo, no arcabouço regulatório aplicável ao segmento de plataformas digitais nesse mercado". Por esse motivo, optou por tratar da BV nesse segmento (Internet) em autos próprios. Para tanto, aponta ser necessário dar continuidade às diligências necessárias à coleta de evidências suficientes para a decisão quanto à necessidade de abertura de Inquérito Administrativo.
De acordo com dados divulgados pelo Cenp nesta quarta em relação ao período de janeiro a setembro de 2020, embora a TV aberta ainda detenha a maior fatia do investimento em mídia via agências de publicidade, a Internet foi o meio que mais ampliou a sua participação. O meio saltou mais de três pontos percentuais, de 20,7% em 2019 para 24,3% no mesmo período de 2020.