Especialistas divergem sobre benefícios de PEC dos freios e contrapesos às agências reguladoras

Foto: Anatel

A Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE) elaborou uma minuta de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que visa retirar as atividades executiva, normativa e de contencioso administrativa das agências reguladoras. O texto recebeu o nome de "PEC dos freios e contrapesos".

Prevista para ser apresentada na Câmara dos Deputados após as eleições, até novembro, a pauta é polêmica. Diante das possíveis consequências da proposta em mercados regulados, como o de telecomunicações, TELETIME conversou com especialistas sobre o assunto, que mostraram divergências sobre o texto.

Para a advogada Flávia Lefèvre, especialista em direitos digitais e das telecomunicações, a minuta da PEC é positiva, já que prevê um conselho com representações de diversos setores. "Há inegáveis benefícios na proposta especialmente por duas razões. Primeiro porque as agências reguladoras revelam baixo grau de representativa democrática, a despeito de os diretores serem indicados pelo Presidente da República e aprovados pelo Senado. Segundo, porque a PEC introduz conselhos com participação do Poder Executivo e dos consumidores, voltados para atuar na atividade normativa, o que viabiliza equilíbrio de interesses envolvidos", diz.

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Ela também aponta que há diversos estudos nacionais e internacionais que mostram que muitas agências passaram a ser cooptadas pelos interesses e pelo poder econômico dos agentes regulados. "Elas acabaram ganhando poderes que, no Brasil, desafiam o poder regulamentar do Poder Executivo, nos termos dos arts. 84, inc. IV, e 87, da CF, que atribuem ao Presidente da República a competência exclusiva para 'expedir decretos e regulamentos para a fiel execução' das leis e dos Ministérios", argumenta Lefèvre.

A advogada Anna Florença Anastasia, especialista em Direito Administrativo do GVM Advogados, tem raciocínio similar. Na avaliação dela, a alteração do art. 37 proposta pela PEC pretende ramificar a atuação legislativa – no âmbito das agências reguladoras -, do contencioso administrativo e de sua normatização, sob argumento de que estas agências detêm muito poder de forma discricionária. A ideia de conjugar representantes de diversos setores para a edição de atos normativos pode ser benéfica, garantindo o diálogo saudável sob a perspectiva de participantes com interesses eventualmente antagônicos.

Anastasia acredita que a burocratização das instituições é um assunto delicado, mas, ainda assim, de extrema relevância. "Mover a competência para editar normas das agências reguladoras não garante que elas venham a funcionar de maneira mais eficiente, mas este é um problema macro, que ultrapassa a esfera da Administração Indireta", pondera.

A advogada também entende que as propostas apresentadas pela PEC não necessariamente afetam mercados regulados, como o de telecomunicações. Isso porque, diz a advogada, a criação de conselhos para edição de normas internas ainda deve respeitar a legislação constitucional e infraconstitucional, ou seja, mesmo que um Conselho seja responsável pela normatização de determinada agência reguladora, ele ainda está adstrito à legislação vigente.

Os problemas

Por outro lado, a questão da PEC traz, ao invés de soluções, problemas. Isso porque alguns especialistas discordam do entendimento de que as agências reguladoras concentram poder, como apregoa a Frente Parlamentar. O advogado Jacintho Arruda Câmara é um dos que apontam esse entendimento. Professor de Direito Administrativo da PUC/SP, ele coloca que o texto apresentado pela PEC dos Freios e Contrapesos não traz benefício algum para as agências reguladoras e seu funcionamento.

"A ideia de que a agência concentra poderes autônomos do Estado é incorreta. A agência se submete ao Judiciário e ao Legislativo, exercendo apenas funções administrativas. É típico da função administrativa ter um pouco de poder normativo, de resolução de conflitos e de execução de atos. Os órgãos fazendários, por exemplo, editam normas, decidem recursos administrativos dos contribuintes (os famosos contenciosos administrativos tributários) e expedem multas, lançamentos. Não há nada de anormal nas agências reguladoras concentrarem, no âmbito administrativo, funções normativas, de solução administrativa de conflitos e de expedição de atos de outorgas e fiscalizatórios", explica o advogado ao TELETIME.

Câmara também aponta que as agências reguladoras vêm implementando boas práticas no decorrer dos anos, na tentativa de aprimorar seus procedimentos. "É uma evolução no modo de atuar e não nas suas normas de regência. Não acredito que seja necessária uma alteração Constitucional para tanto", opina.

Mais órgãos

Jacintho Câmara também destaca que, no fundo, a PEC divide o que apenas um órgão faz atualmente e realoca para outros três – o que, na avaliação dele, não é uma boa ideia. "Isso traria desfuncionalidade para a atuação reguladora estatal e insegurança jurídica aos regulados, na medida em que a regulação ficaria dispersa com risco de produção de decisões contraditórias", diz.

Ademir Pereira Jr., advogado da área de Direito da Concorrência da Advocacia Del Chiaro, chama atenção para as possíveis mudanças que a PEC fará em mercados regulados. "Embora não tenha tido acesso ao texto da 'PEC dos Freios e Contrapesos', entendo que ela precisa ser analisada com muita atenção, dado que mudaria de modo substantivo a estrutura de atuação do Estado brasileiro sobre determinados mercados", diz Ademir Pereira.

Ele também lembra que as agências foram criadas com mandatos específicos e com a finalidade de estabelecer corpos técnicos para lidar com os temas. A transferência de poderes a ministérios ou conselhos de ministérios traz risco importante de maior politização de temas, sem adicionar maior legitimidade democrática, diz. "Se agências específicas apresentam problemas, seria importante identificar as causas, discutir reparos específicos e não uma completa reestruturação da lógica de intervenção do estado", pondera o advogado.

Sem mudanças

O ex-presidente da Anatel, Juarez Quadros, também está do lado dos que defendem que as agencias reguladoras não precisam de mudanças. "Em princípio, não vejo necessidades de mudanças [nas agências reguladoras]. E se houvesse, que fosse feito um circunstanciado estudo de âmbito político, jurídico, econômico-financeiro e tecnológico, com amplo debate junto à sociedade, de modo a evitar um retrocesso e desperdício de dinheiro público", explica.

Quadros aponta que medidas como essa proposta pela PEC são iniciativas que podem ser qualificadas como inconsequentes, já que alteram disposições constitucionais (ou legais) prejudicando assim a democratização da estrutura de poder no País. Além disso, proposições desse tipo podem também ter como consequências a diminuição da competitividade da economia; impedir o desenvolvimento social e aumentar a desigualdade entre regiões geográficas e entre classes de renda pessoal e familiar, ao prejudicar o encontro do acesso universal aos serviços básicos (e essenciais).

Sobre o argumento da Frente Parlamentar do Empreendedorismo, Juarez Quadros também diz que não há poder concentrado nas agências reguladoras. "Há um aparente equívoco na pretensa intenção. Assim, o que deveria caber aos legisladores, seria fortalecer o papel regulador do Estado, de modo a atrair investimento e assim criar condições para que o desenvolvimento dos diversos setores de infraestrutura seja harmonioso com as metas de desenvolvimento social do País", finaliza o ex-presidente da Anatel.

1 COMENTÁRIO

  1. O projeto de PEC sobre as agências é um retrocesso total. É evidente que as agências representam uma modernização indispensável do Estado moderno – basta checar a atuação da ANVISA na epidemia recente da COVID. Os entrevistados que defendem as agências expuseram muito bem as razões para que esse projeto seja esquecido, o mais rápido possível!

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