O princípio da neutralidade de rede foi protagonista de um debate sobre as franquias de dados na telefonia móvel realizado durante o 9º Fórum da Internet no Brasil, promovido pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) nesta semana, em Manaus. Segundo especialistas presentes no encontro, o conceito, garantido no Brasil pelo Marco Civil da Internet, pode ser "atropelado" com a chegada do 5G.
"O 5G vai nos atropelar se não tivermos um acordo mínimo do que é neutralidade de rede", afirmou a representante do grupo de pesquisa em Informação, Comunicação, Tecnologia e Sociedade da Unicamp a da Rede Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade (Lavits), Cristiana Gonzales. De acordo com a ela, modelos de negócio como o network slicing (fatiamento de rede) devem trazer "políticas diferenciadas de qualidade de serviço" que colocarão o princípio em xeque.
"O novo padrão precisa seguir as leis ou a lei precisa se adaptar?" questionou Gonzales, notando que a defesa do abrandamento da neutralidade (já repelida pelo governo nos EUA) como passo necessário para o 5G tem se tornado uma bandeira comum entre players da indústria. No Brasil, já há inclusive um projeto de lei que versa sobre a revisão do tema em aplicações críticas e de Internet das Coisas (IoT).
Gerente de interações institucionais, satisfação e educação para o consumo da Anatel, Fábio Koleski, por sua vez, argumentou que os limites da neutralidade devem ser melhor definidos ao longo do tempo. "Esse é um debate que vai ocorrer por mais alguns anos e vamos descobrir a neutralidade na medida do que isso for sendo debatido", afirmou ele, adicionando em seguida que o Brasil não está "juridicamente preparado" para aplicações de IoT.
Koleski também pontuou que, desde a aprovação do Marco Civil, houve poucos casos de fiscalização de denúncias relacionadas com neutralidade de rede. Na maioria das ocasiões, a Anatel não teria comprovado a existência de práticas de degradação de tráfego.
Representante do Intervozes e conselheira no Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), Flávia Lefèvre notou que se antes a neutralidade tinha um cunho sobretudo concorrencial (para impedir efeitos negativos sobre o tráfego de operadoras de VoIP, por exemplo), "de 2014 para agora, o poder das plataformas e os modelos de negócios deram outra configuração" para o acesso à Internet e para a própria neutralidade.
De acordo com a advogada e como defendido há algum tempo por entidades de defesa do consumidor, a principal expressão da quebra do princípio no Brasil seria a oferta do zero rating de Internet móvel para determinados aplicativos (sobretudo redes sociais) após o fim das franquias do serviço. "Se quando acaba minha franquia só há uma 'janelinha' para Facebook e Instagram, está havendo uma discriminação. É um tipo de modelo de negócio que contraria o Marco Civil, a inclusão digital e tem efeitos na democracia muito perigosos", afirmou Lefèvre, lembrando que o acesso à Internet exclusivamente por dispositivos móveis tem crescido no País.
Fora da mesa de debates mas participando como espectador, o diretor regulatório do SindiTelebrasil, Alexander Castro, defendeu a postura das empresas de telecomunicações diante da neutralidade de rede. "Ela não foi conceituada como nosso setor gostaria que fosse, mas o que está lá precisa ser respeitado, e não distorcido. Lá diz que as empresas devem tratar todos os pacotes de forma isonômica, e é isso que elas fazem".
"Não se confunde [quebra da neutralidade] com eventuais práticas de zero rating", prosseguiu Castro. Segundo o dirigente, a interpretação da legislação pela Anatel sempre permitiu a prática de franquia na Internet móvel. No caso da Internet fixa, vale lembrar, o modelo de franquias está suspenso via cautelar da reguladora desde 2016.