Um modelo de negócios de telecomunicações em que, ao invés de pagar para acessar a Internet, o usuário é pago para prover conectividade — usando seu próprio roteador, rede Wi-Fi e em uma dinâmica remunerada por criptomoedas. É o que propõe a Helium, que já movimenta usuários nos Estados Unidos e no México e pretende iniciar os trabalhos no Brasil.
O modelo baseado em blockchain usa a comunidade de usuários para operar e expandir a infraestrutura, com base em recompensas digitais pelo tráfego de dados. Trata-se de um exemplo de DePIN (Decentralized Physical Infrastructure Network), conceito que une ativos físicos e tecnologia blockchain.
"A ideia é basicamente remunerar os usuários pelo tráfego que eles estão suportando nos seus próprios dispositivos. O usuário deixa de ser só consumidor e passa a ser parte da rede", explicou o sales engineer da companhia, Cláudio Bertoldo, durante o evento TELETIME Tec, realizado nesta terça-feira, 3, em São Paulo.
Em analogia, o modelo desafia a lógica atual do setor e seria, segundo o executivo, como o Uber foi para o setor de transporte. Ainda assim, a dinâmica já desperta interesse de parcerias entre as operadoras tradicionais – como é o caso da gigante norte-americana AT&T, que tem apostado no formato.
De redes IoT à infraestrutura de Wi-Fi
Fundada com foco em Internet das Coisas (IoT) usando tecnologia LoRa, a Helium alcançou um milhão de gateways ativos no mundo desde 2019. A partir de 2023, mudou seu modelo para o Wi-Fi, com foco em offload de tráfego de redes móveis (da 2G à 5G) a partir das conexões Wi-Fi descentralizadas.
Hoje, a rede Helium conta com cerca de 100 mil pontos de acesso em operação, nos Estados Unidos e México, e suporta mais de um milhão de usuários únicos por dia. A tecnologia por trás dessa integração é o Passpoint (ou Hotspot 2.0), que permite a transição automática entre a rede móvel e o Wi-Fi, de forma imperceptível para o usuário.
"Você acha que está usando sua operadora, mas na verdade está trafegando pela rede Helium", revelou Bertoldo.
A expansão rápida do modelo exige mecanismos de controle robustos. A Helium afirma monitorar em tempo real a qualidade dos hotspots, incluindo testes de latência, banda e acessibilidade. Hotspots com desempenho ruim têm recompensas reduzidas. A empresa também mantém um sistema antifraude rigoroso para coibir falsificações de localização ou tráfego.
No Brasil, o maior desafio está na regulação. A Anatel ainda avalia como classificar legalmente milhares de pequenos pontos de acesso operados por usuários comuns. As principais dúvidas incluem licenciamento de estações rádio base (ERBs), tributação, e a legalidade do serviço prestado a operadoras por usuários finais.
Como funciona na prática?
O modelo proposto pela Helium, de acordo com Bertoldo, foi desenhado para que haja a participação de qualquer pessoa ou empresa, com duas abordagens:
Greenfield: o participante adquire um hotspot Helium (cerca de US$ 249 a US$ 499 nos EUA), instala em casa ou no comércio, e começa a receber tokens HNT (moeda digital da empresa) proporcionalmente ao tráfego suportado e à cobertura oferecida.
Brownfield: empresas com redes Wi-Fi existentes podem integrá-las à camada Helium e monetizar sua infraestrutura já instalada.
As recompensas são calculadas com base em dois critérios principais: o tráfego diário suportado e a Prova de Cobertura (PoC), que valida se o ponto de acesso está ativo e oferecendo conexão real.
Um caso apresentado mostrou um hotspot indoor que serviu 1.445 usuários em um único dia, gerando 504 HNT em uma semana, relatou Bertoldo.
A proposta surge para tentar sanar desafios como altos custos de expansão de infraestrutura. Segundo a empresa, as teles pagam em média US$ 0,50 por gigabyte trafegado pela rede Helium, o que seria "uma fração do que gastariam ao construir novas torres ou estações base".
Com o uso do que chamam de Carrier Offload Manager, as empresas também poderiam "desenhar no mapa" onde precisam de cobertura, e a comunidade tentaria responder com implantações em poucos dias, com capex zero para as teles.
Já a monetização da própria Helium ocorre por meio da venda de equipamentos e de uma taxa de intermediação nas transações entre operadoras e usuários.
O token HNT, que remunera os participantes, funciona sob uma lógica projetada para preservar seu valor. As receitas em dólar recebidas das operadoras são usadas para comprar e queimar HNTs — prática conhecida como burn and mint equilibrium.
Além disso, a rede adota um "halving" bienal, inspirado no Bitcoin, que reduz pela metade as emissões de tokens com o tempo.