Governo gastou R$ 2,1 bilhões do Fust com dívida pública

Depois de dez anos de criação, pela primeira vez um montante expressivo do Fundo de Universalizações dos Serviços de Telecomunicações (Fust) foi usado. Cerca de R$ 2,1 bilhões da reserva do Fust foram gastos no ano passado. Mas o destino do recurso nada tem a ver com as telecomunicações.
A quantia foi desvinculada e gasta com o pagamento de juros da dívida pública, mesmo sendo definido como "verba carimbada", ou seja, que só pode ser aplicada na área prevista na lei que a criou.
O "sumiço" dos R$ 2,1 bilhões foi percebido pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e está registrado no relatório sobre a aprovação das contas do governo em 2008. "A disponibilidade total do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) que em 2007 totalizava R$ 5,3 bilhões, foi reduzida em 2008 para R$ 3,2 bilhões. Tal queda não ocorreu em virtude da utilização dos recursos, já que nada foi executado dos R$ 7,3 milhões alocados na LOA/2008 (Lei Orçamentária Anual) para o programa 'Universalização dos Serviços de Telecomunicações'. A redução da disponibilidade decorreu de desvinculação de recursos do Fundo para pagamento da dívida pública", relatam os técnicos do tribunal no documento sobre as contas do ano passado.

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Mas como o governo conseguiu usar R$ 2,1 bilhões de um fundo destinado à expansão das telecomunicações para o pagamento da dívida pública? A resposta, em princípio, está em dois atos emitidos pela Presidência da República no ano passado. Um deles é a Lei nº 11.803, de 5 de novembro de 2008, que trata da utilização do superávit financeiro acumulado até 31 de dezembro de 2007. Esta lei, criada a partir da MP 450/2008, permite que o saldo do superávit seja utilizado para a "amortização da Dívida Pública Mobiliária Federal Interna". As novas regras resguardam apenas as "fontes decorrentes de vinculação constitucional e de repartição de receitas a estados e municípios".
Tudo indica que o Fust não foi visto como uma fonte com "vinculação constitucional". Isso porque em 11 de setembro de 2008 – quando a MP já estava em vigor mas ainda não tinha virado lei – o governo emitiu um decreto sem número abrindo crédito suplementar de R$ 40,864 bilhões para pagamento de "encargos financeiros da União", o que inclui o pagamento dos juros da dívida pública, com recursos de diversas fontes. Entre elas, estariam os R$ 2,1 bilhões do Fust.
A confirmação de que a desvinculação do fundo das telecomunicações ocorreu neste ato vem de fontes do TCU. Além do Fust, outros fundos, como o da Marinha, também teriam tido recursos transferidos para o pagamento da dívida. Por ora não há uma investigação do tribunal sobre a legalidade desta transferência, mas uma coisa é certa: o dinheiro não existe mais.
Existem algumas alternativas para "recuperar" a verba usada pelo governo, mas nenhuma delas é simples. Um caminho seria a recomposição dos créditos em um ato do próprio governo, repassando verbas de outras rubricas para o Fust. Outra possibilidade seria a constatação de que o ato que desvinculou as verbas é inconstitucional e, portanto, inválido. Esta reportagem não conseguiu informação sobre nenhum movimento, em qualquer sentido, para repor a verba utilizada.
A legalidade da desvinculação pode ser uma dúvida. Em princípio, qualquer Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) não pode sofrer aplicação da Desvinculação das Receitas da União (DRU), mecanismo que dá flexibilidade na destinação Orçamentária. Esses recursos seriam as tais "verbas carimbadas", tão citadas em diversos setores da administração. O "carimbo" é uma analogia de que a verba só pode ser usada dentro da sua área de destinação prevista em lei. O problema é que nem todos os juristas entendem que o Fust é uma Cide. Caso seja, a desvinculação das verbas pode ser inconstitucional.
Crescimento falso
Mas um fato que não envolve controvérsia jurídica e é tão grave quanto a nova destinação que o governo encontrou para o fundo é a constatação de que o bolo financeiro do Fust que cresce a cada ano, na verdade, não existe.
Segundo fontes do governo, os bilhões anunciados todo ano não são um número de trabalho orçamentário e a maior parte destes recursos está na "vala comum" do superávit financeiro. Que o dinheiro não usado engordava os cofres públicos, isso não é novidade para ninguém. Mas o uso recente demonstra que o Fust não tem mantido seus privilégios como fundo de fomento a partir do momento em que é depositado na conta do superávit.
Do ponto de vista financeiro, a arrecadação total do Fust em nove anos já está próxima dos R$ 8 bilhões, sem contar o "desaparecimento" dos R$ 2,1 bilhão. Mas este número não é refletido no Orçamento da União há muito tempo. Na prática, contam as fontes, o Executivo só conta com a receita corrente do fundo, em torno de R$ 300 milhões ao ano. E ainda assim, há restrições para a execução orçamentária. Mas, frente a todos esses obstáculos, pesa em desfavor da área de telecomunicações o fato de os recursos jamais terem sido usados. Apenas uma vez houve uma movimentação concreta para o uso de uma parte ínfima da verba – aproximadamente R$ 7 milhões -, mas pelos dados do TCU a execução não foi feita até hoje.

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