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Relatório de Angelo Coronel para PL das fake news recebe críticas de especialistas

Segundo especialistas e entidades da sociedade civil, a primeira versão do relatório do senador Angelo Coronel (PSD-BA) para o PL 2.630/2020 das fake news, apresenta ainda mais problemas e cerceamentos à liberdade de expressão do que o texto original de Alessandro Vieira, que por sua vez já era criticado. Angelo Coronel é relator da proposta, que cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Interne, como forma de combater as notícias falsas.

A previsão era de que o substitutivo de Coronel fosse votado na tarde desta terça-feira, 16h. Pouco depois de passado o prazo para acolhimento de emendas (às 14h), Alessandro Vieira divulgou no Twitter que o projeto foi retirado de pauta, o que foi confirmado pelo presidente do Senado, o senador Davi Alcolumbre.

“Além de garantir a contribuição de todos os senadores na construção do texto, o PL 2630/2020 deve assegurar que as pessoas possam continuar se manifestando livremente como como já garante nossa Constituição, mas ao mesmo tempo protegê-las de crimes virtuais”, declarou Alcolumbre também pelo Twitter.

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O texto, que circulou na manhã desta terça-feira, 2, é extenso, mas contém uma série de mudanças, incluindo ao Marco Civil da Internet (MCI). Entre outros fatores, a proposta exclui o direito ao anonimato e à liberdade de expressão. Institui ainda a necessidade de cadastramento com documentos para uso de redes sociais – uma adaptação de propostas pré-MCI. Há também uma proposta de alteração de cadastro de pré-pagos para operadoras de celular.

Além disso, estabelece uma espécie de ranking de reputação de usuários “com base em seu histórico de publicações” e feito por meio de crowdsourcing. A proposta não estabelece quem seria responsável por estabelecer os critérios, tampouco quem iria interpretar os conteúdos para determinar a categorização, mas prevê a possibilidade de “filtrar” perfis com “rankings baixos”.

A abordagem de classificação de conteúdos incluiu ainda mensagens privadas. Segundo o relatório: “entendemos que os procedimentos para combate à desinformação devem, na medida do possível, seguir as práticas já adotadas para o combate ao recebimento de mensagens não solicitadas pela internet (spam), e que são a praxe nas aplicações de correio eletrônico”.

No Art.12, propõe-se que o provedor de aplicações revele informações cadastrais (qualificação pessoal, filiação e endereço do responsável pela conta) para “delegado de polícia ou o membro do Ministério Público” em ocasiões de “indício de prática de crime”. No caso de informações cadastrais não previstas, aí sim, seria necessário uma ordem judicial, que deveria ser expedida em até cinco dias.

O texto propõe ainda um valor da multa para provedores de aplicações de Internet de até R$ 10 bilhões no caso de descumprimento.

As mudanças

Dentre as principais alterações que Angelo Coronel propõe ao texto original estão:

  • Verificação de contas de usuários, que passariam a ser classificadas como identificadas ou não identificadas;
  • Exigência de cadastramento presencial dos usuários e verificação de identificação (com documentos RG e CPF, além de comprovante de residência);
  • Qualquer alegação de falta de veracidade ou mesmo à ofensividade no caso das contas não verificadas levaria à imediata remoção e, no caso de reincidência, a possível suspensão das contas nas plataformas. Para as contas identificadas, não haveria alteração em relação ao Marco Civil da Internet;
  • Criação de um ranking com reputação dos usuários;
  • Mensagens interpessoais classificadas como suspeitas de abusos, de acordo com as preferências do usuário, poderiam ser automaticamente filtradas pelas plataformas;
  • Criação de um critério de classificação das mensagens como abusivas, desinformativas ou ofensivas a partir de participação ativa dos usuários;
  • Exigência de confirmação expressa, pelos usuários, para a divulgação ou o compartilhamento de mensagens classificadas como abusivas, de modo a cientificá-los da responsabilidade por sua conduta;
  • Multa de até R$ 10 bilhões para os provedores de aplicações.

Autoridade de Transparência da Comunicação Digital

O substitutivo de Angelo Coronel cria ainda uma Autoridade de Transparência da Comunicação Digital (ATCD) que teria como atribuição fiscalizar o cumprimento das determinações da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.

O texto de Angelo Coronel pode sofrer alterações, já que emendas são permitidas até as 14h, duas horas antes da votação.

Críticas

Em sua conta no twitter, Pablo Ortellado, professor da Universidade de São Paulo e especialista no assunto, diz que o relatório de Angelo Coronel “é das coisas mais absurdas e mais perigosas já apresentadas para regular a internet. Além de desprezar o texto original e as colaborações da consulta pública, é um texto bizarro e amador”.

Também pelo Twitter, a diretora do Internet Lab, Mariana Valente, classificou que o relatório do PL é “surreal” e implica em “pressa perigosa” para mudar “completamente o marco jurídico construído por anos para a Internet no Brasil”. Ela critica ainda a possibilidade do ranqueamento ser artificialmente alterado. “Se eu sou ativista antirracista e grupos supremacistas promovem ‘reclamações’ contra mim, isso vai me dar nota baixa. Ou então as plataformas vão também precisar desenvolver formas de definir que algumas denúncias abaixam a nota e outras não. Pergunta: posso revisar meu score?”, declara.

Por sua vez, a Coalizão Direitos na Rede (CDR), rede de organizações que defendem direitos digitais, apontou dez aspectos problemáticos no substitutivo de Angelo Coronel:

  1. LIBERDADE DE EXPRESSÃO EM ALTO RISCO – O projeto tem efeito bombástico na liberdade de expressão da internet no Brasil, estabelecendo que com a mera entrada com processo judicial a rede social tenha que remover o conteúdo questionado na Justiça para que não seja responsabilizada caso ele seja julgado ilegal (art. 53).
  2. REDES SOCIAIS SÓ COM COMPROVANTE DE RESIDÊNCIA – O texto burocratiza ao máximo o acesso às redes sociais, tratando todos os usuários como potenciais criminosos. Para controlar o acesso, todos os usuários deverão enviar todos os seus documentos para ter uma conta em rede social (art. 7).
  3. DEBATE ATROPELADO: PROJETO NUNCA FOI DISCUTIDO – Senadores votarão um projeto cujo conteúdo (dado pelo relatório do senador  ngelo Coronel) foi divulgado há poucas horas, sem que os parlamentares e a sociedade possam avaliar e discutir suas propostas. Em um processo totalmente antidemocrático, além de violar vários direitos o texto possui inúmeras problemas técnicos. É necessário tempo para garantir um mínimo debate com a sociedade.
  4. PRIVACIDADE VIOLADA – Na linha de tratar todos os usuários de internet como potenciais criminosos, delegados e promotores terão acesso livre aos cadastros (agora documentados) de usuários de internet sem qualquer crivo judicial (art. 12).
  5. BLOQUEIO GERAL DAS REDES SOCIAIS E APPS DE MENSAGEM – Com mais de 50 artigos, o projeto cria inúmeras hipóteses que podem ensejar bloqueio dos provedores redes sociais, abrindo espaço para enorme insegurança e incerteza para quem trabalha dependendo da internet. Bloqueios como os que vimos, do Whatsapp, vão se multiplicar em todas as redes (art. 40 e restantes).
  6. LEGALIZAÇÃO DO MINISTÉRIO DA VERDADE – O texto legitima as redes sociais como ministério da verdade, legalizando seus termos de uso para derrubar qualquer tipo de postagem que desejarem (Art. 9). O relatório ainda dá o poder para as plataformas de definir quais são os casos excepcionais e quais outros vão exigir uma defesa prévia para remoção de conteúdo (art. 10, caput e § 5º).
  7. BLACK MIRROR NA VIDA REAL – O texto cria um sistema em que pessoas darão notas às outras e isso gerará prejuízos a quem for “mal classificado” (art. 14 e 15). Os critérios de classificação serão definidos pelas plataformas, abrindo espaço para todo tipo de abusos.
  8. LEGALIZAÇÃO DO ASSÉDIO E DOS ATAQUES – O PL legaliza as práticas de assédio e ataques na Internet pelo sistema de notas e ao prever que a pessoa será rotulada por qualquer denúncia que receber, mesmo as infundadas e antes da análise do mérito (art. 11). Quem tiver pontuação baixa não conseguirá ter seu conteúdo acessado e poderá inclusive perder a conta.
  9. CRIMINALIZAÇÃO DE QUEM APENAS COMPARTILHA CONTEÚDOS – O relatório pode jogar na cadeia por três a seis anos pessoas que repassaram conteúdos sem saber se são falsos (art. 47). Uma medida desproporcional e condenada por todas as relatorias internacionais de Direitos Humanos. Hoje, 59% das pessoas têm acesso à internet só pelo celular e muitas vezes não podem sequer checar conteúdos por não terem acesso a outros sites além do Whatsapp para checar as informações que recebem.
  10. ATIVISMO E JORNALISMO EM RISCO – Sem delimitar o que é “desinformação” ou “conteúdo manipulado”, a lei usa esses termos no novo enquadramento de organização criminosa e lavagem de dinheiro, abrindo enorme espaço de criminalização de qualquer ativismo, movimento social e jornalismo (art. 49 e 50).

Partiram críticas também de vários setores da sociedade como entidades representativas, instituições acadêmicas, organizações da sociedade civil, empresas e cidadãos que, em manifesto que circulou por volta das 14h desta terça-feira, alertaram para altos riscos da votação de um relatório que não foi debatido com o conjunto dos senadores, nem com a sociedade.

“Em um contexto em que o Senado realiza deliberações por meio do sistema remoto, sem a existência de comissões, o debate aprofundado sobre o tema se mostrou comprometido desde o início. Mesmo assim, nas últimas semanas, diversos esforços foram feitos, por diferentes setores, no sentido de apresentar propostas para coibir o uso indevido de plataformas de internet, ampliar sua transparência e combater a desinformação sem violar a liberdade de expressão e a privacidade dos brasileiros”, diz a nota divulgada.

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