A assimetria regulatória e a informalidade na banda larga

Fábio Vianna Coelho/Divulgação

Há uma disposição evidente, há anos, à animosidade entre os players das telecomunicações no País. Se no exterior grandes grupos atacam big techs buscando alguma compensação pelo uso alegadamente abusivo de suas redes, no Brasil, suas subsidiárias, além de regionalizar o mesmo embate, questionam a assimetria regulatória que beneficia PPPs – ao menos aquelas que possuem a partir de algumas centenas de milhares de clientes, fundos entre seus acionistas e ações em bolsa.

Estas, por sua vez, acusam provedores de menor porte de atuarem na informalidade e não cumprirem obrigações, o que se daria, conforme alguns, a partir de suposta permissividade da regulamentação do setor. Ainda que direcionados a quem está degraus abaixo na pirâmide, são ataques que, geralmente feitos por meio de entidades de classe, envolvem acusações muitas vezes indevidas, que passam pelo uso de inverdades e distorções sobre o que acontece no mercado e o que suas regras determinam.

Não procede a afirmação de que a Anatel exime provedores de menor porte do cumprimento de obrigações como o envio do número de clientes atendidos e as áreas em que atuam. Apesar de declarações públicas nesse sentido, a Resolução 712/2019, que traz o Regulamento para Coleta de Dados Setoriais, estabelece, já em seu artigo 2º, que "as prestadoras de serviços de telecomunicações, sejam concessionárias, permissionárias, autorizadas ou dispensadas de outorga, estão sujeitas à obrigação de envio dos dados solicitados". E, adiante, no artigo 9º, que "o não envio de informações, bem como o envio de informações inverídicas ou que possam levar a uma interpretação equivocada dos dados, sujeita os agentes responsáveis pelo fornecimento de dados às sanções cabíveis, nos termos da legislação e da regulamentação."

Notícias relacionadas

A obrigação cabe a qualquer prestador de serviços de telecomunicações, exceto, como tudo o mais, aos que não dispõem da anuência da Anatel. A LGT (9.472/97) define prestadores clandestinos como os que atuam "sem a competente concessão, permissão ou autorização de serviço, de uso de radiofrequência e de exploração de satélite" (parágrafo único do artigo 184) e estabelece pena de dois a quatro anos de reclusão aos infratores (artigo 183). Os demais devem tanto enviar dados sobre assinantes, recolher FUST e Funttel e observar outras regras – proporcionais em número e rigor ao porte dos prestadores.

O descumprimento de obrigações regulatórias, a ocupação irregular de postes, o uso de artificialidades voltado à sonegação fiscal resultam, não da regulamentação e de suas assimetrias – discutidas em meio à revisão do Plano Geral de Metas de Competição –, mas de falhas na fiscalização. Embora esta exista e a agência seja rigorosa ao aplicar as sanções cabíveis a infratores, seu alcance limita-se a parcela dos cerca de 20 mil ISPs em atividade no País. Conforme o site da Anatel, 7.857 provedores relataram fornecer ao menos um acesso em agosto. Talvez a partir de dados ainda não revistos pela autarquia, a Associação NEO mencionou 7 mil para apontar quão pequeno é o contingente dos que reportam quantos clientes possuem. De fato é, o que resulta de desobediência à regulamentação.

O relato do número de usuários atendidos – assim como municípios em que as empresas atuam – se dá por meio da coleta mensal, conhecida também como DICI. Por ser a obrigação regulatória mais básica de um prestador de SCM e ser ignorada por mais da metade dos provedores, é um bom indicador das irregularidades existentes no mercado. Talvez isso tenha motivado a Anatel a priorizar a falta do seu envio, subnotificações e atrasos em seu plano de ação para o combate à informalidade, anunciado em evento realizado no final setembro pelo seu presidente, Carlos Baigorri. Em suas palavras, a solução para quem não reportar seus dados será "caçar a outorga".

A nova postura da agência demorou a chegar. É algo constrangedor que, sabidamente por conta de atrasos nos envios por parte de PPPs por ela fiscalizadas, seus balanços sobre número de conexões fixas ativas têm de ser recorrentemente revistos. Sua página reportava, em setembro, que havia 49,9 milhões de acessos em julho. Hoje, o recorte referente ao mesmo período aponta 50,5 milhões, 900 mil a mais que no mês seguinte (49,6 milhões em agosto), dado que certamente será corrigido adiante. Já os que nada relatam produziriam a gritante diferença entre dados fornecidos pela autarquia e pelo IBGE. O Módulo de Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC) da PNAD Contínua, divulgado em novembro de 2023, contabilizava 63 milhões de residências com Internet fixa no país – ainda que, conforme a TIC Domicílios 2023, do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), o compartilhamento de conexões seja comum em quase todas classes, chegando a 25% nos lares das D e E.

O conhecimento do número de acessos de banda larga fixa existentes no País é fundamental para a formulação de políticas públicas. Da mesma forma, são o porte econômico das empresas e a infraestrutura operacional existente em cada região, dados que a agência obtém, respectivamente, a partir das coletas semestral e anual, também obrigatórias a todos. Estas, porém, por serem bem mais complexas que a mensal, devem dispor de subnotificação e volume de dados inverídicos muito maiores.

No despacho em que delega a superintendências o prosseguimento da criação do plano, Baigorri menciona a colaboração das PPPs para a expansão da Internet fixa no País, "com menores custos e melhor qualidade", respondendo por 53,7% dos 48,2 milhões dos acessos fixos contabilizados no fechamento de 2023. Na maioria, são PMEs que possuem poucos clientes. Conforme a 5ª edição da TIC Provedores, do NIC.br, 46% dos ISPs eram microempresas, que empregavam até 19 pessoas. Já estudo do conselheiro Vicente Aquino tornado público no final do ano passado aponta que 93,3% dos prestadores brasileiros possuíam menos de 5 mil acessos.

Seja a partir da Anatel, pelos motivos elencados acima, seja pela maioria das associações, fala-se que a informalidade deve ser combatida para que exista justa competição no setor. É algo que deve mesmo ser perseguido. ISPs que atuam à revelia da agência, que diluem suas receitas em vários CNPJs a fim de sonegar impostos, que ocupam postes sem autorização das concessionárias de energia afetam o bom desempenho do setor, sua imagem, prejudicam a sociedade de diversas formas e expõem usuários a serviços de qualidade temerária.

Seja no SCM ou em qualquer outro segmento econômico, a informalidade deve ser combatida. Empresas que não respeitam regulamentação tendem a praticar outras irregularidades. Mas a situação não se relaciona com assimetrias regulatórias, que foram fundamentais à expansão da Internet no País, inclusive, novamente conforme o despacho de Baigorri, "em regiões menos atrativas em termos do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e do Produto Interno Bruto".

Os muitos provedores beneficiados pelas vantagens econômicas que a atuação irregular lhes proporciona, de fato, geram uma competição desleal, mas esta não ameaça associados de NEO, Telcomp ou Conexis. São os ISPs de menor porte, não representados por essas entidades, que seguem a regulamentação – mobilizando empregados para tal e pagando os devidos tributos –, os expostos a uma concorrência pra lá de injusta. Pode-se até questionar os diferentes graus de exigências destinados a grandes e pequenos. Mas há sim regras para todos. Quem não as cumprem, devem se regularizar, pois a fiscalização aumentará seu alcance.

* Fabio Vianna Coelho é sócio da VianaTel, consultoria especializada na regularização de ISPs, e do RadiusNet, software de gestão para provedores de Internet. As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente a visão de TELETIME.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui
Captcha verification failed!
CAPTCHA user score failed. Please contact us!