Em uma clara declaração de guerra contra as companhias de over-the-top (OTT), a operadora caribenha e do Pacífico Sul Digicel anunciou na quarta, 30, que adotará uma tecnologia que controla e bloqueia, ainda na camada da rede, a exibição de anúncios online. A empresa alega que a utilização da solução da israelense Shine Technologies vai "garantir uma experiência melhor para usuários e vai encorajar empresas como Google, Facebook e Yahoo a ajudar a conectar as 4,2 bilhões de pessoas sem acesso pelo mundo". Justifica ainda que a publicidade móvel chega a consumir até 10% da franquia de dados dos usuários.
A Digicel inclusive propõe que "redes de publicidade como Google, Yahoo e Facebook entrem em acordos de compartilhamento de receita (com a operadora) para abrir caminho por cima do dividendo digital". A companhia é direta: quer essa fatia do bolo, alegando que será reinvestida em implantação de rede. "Atualmente, essas companhias não pagam para usar a rede e os serviços que elas proveem nela chupam (sic) a banda para fazer dinheiro para eles próprios por meio de publicidade enquanto não colocam dinheiro algum nisso."
A medida começará na Jamaica, chegando depois a outros mercados no Caribe e no Pacífico Sul nos próximos meses. A tecnologia da Shine atua diretamente na rede, bloqueando publicidade em banner e em vídeo tanto em navegadores móveis quanto aplicativos.
O chairman do grupo Digicel, Denis O' Brien, explicou em comunicado que as três OTTs citadas "tomam muito crédito quando se trata de levar a banda larga para todos – mas não colocam dinheiro nisso", uma clara referência a iniciativas como Internet.org, do Facebook. Ele afirma ainda que as companhias atuam de maneira "sem vergonha". "Isso é inaceitável, e nós, como operadores de rede, estamos fincando o pé para força-los a colocar as mãos nos bolsos e tomar um papel real em melhorar as oportunidades para empoderamento econômico para a população global".
Análise
A tentativa da Digicel de pressionar as OTTs a estabelecer um "acordo de compartilhamento de receita" por meio do bloqueio da publicidade esbarra em duas ressalvas: a quebra da neutralidade de rede, já que a filtragem ocorre na camada de rede e antes de chegar ao usuário final; e a duvidosa ética da prática comercial. O próprio teor do comunicado mostra uma postura passivo-agressiva da operadora.
Não foi a primeira vez. A Digicel anunciou em junho do ano passado a intenção de bloquear aplicativos de comunicação como Viber e Nimbuzz por "usarem muito da capacidade de banda e não pagarem a rede para ter acesso". Usou linguajar forte também, chamando essas OTTs de "serviços de VoIP não-autorizados". Na época, a atitude gerou fortes críticas do governo jamaicano, que se comprometeu em favor da neutralidade de rede. A lei de competição daquele país ainda proíbe práticas que limitem ou comprometam o serviço prestado para privilegiar outras empresas.
A diferença é que agora a Digicel tenta passar a imagem de que o bloqueio traz benefício para o usuário final e para a universalização do acesso. Chega a ser irônico ressaltar que o chairman da Digicel, Denis O'Brien, foi recentemente eleito como membro da comissão de banda larga da União Internacional de Telecomunicações (UIT).