Ayres Britto sustenta que canais lineares pela Internet são SeAC

O ex-ministro do Supremo, Ayres Britto, deu um parecer para a Claro em suporte à tese apresentada pela empresa de que canais lineares oferecidos pela Internet devem ser enquadrados como Serviço de Acesso Condicionado (SeAC) que é um serviço de telecomunicações regulador pela Anatel, em detrimento do entendimento de que estas ofertas devam ser entendidas como Serviço de Valor Adicionado (SVA), não regulados. O parecer traz algumas teses novas, como o peso maior do SeAC por ser um serviço público e também comunicação social, ou a tese de que se trata de um serviço de telecomunicações que prescinde da rede e se define pelo conteúdo.

O parecer de Ayres Britto inicia sua análise afirmando que o SeAC, sendo um serviço de telecomunicações, é uma atividade constitutiva de um serviço público da União prestado sob regime de autorização por empresas privadas. Como serviço público, o SeAC é necessário "ao atendimento de necessidades coletivamente sentidas e de interesses coletivamente buscados", diz o ex-ministro do Supremo. Em contraposição à visão de Serviços de Valor Adicionado, que não se caracterizam como serviços público. Estes seriam, na análise do ministro, serviços de atividade meramente mercantil, com propósito lucrativo.

No entendimento do ministro, outro aspecto aspecto  que denota o sentido público da oferta de Serviço de Acesso Condicionado (SeAC) é o fato de esta ser também uma modalidade de comunicação social eletrônica, prevista na Constituição Federal em seu parágrafo 3, artigo 222, por distribuir conteúdo audiovisual, distribuição esta que independe do meio, diz, já que objeto central é o próprio conteúdo e a relação jurídica entre quem distribui e quem consome.

Notícias relacionadas

Aliás, esta é uma das principais inovações conceituais do parecer de Ayres Britto: ele entende que o SeAC inova a definição típica de serviços de telecomunicações por ser um serviço que não se caracteriza por uma rede, e sim pelo conteúdo distribuído.

Ayres Britto reforça que a Lei do SeAC traz como princípios para o Serviço de Acesso Condicionado os mesmos dispositivos constitucionais de liberdade de liberdade de expressão, promoção da diversidade cultural, promoção da língua e cultura e estímulo ao desenvolvimento socio-econômico. Para Ayres Britto, o Serviço de Acesso Condicionado "É serviço de telecomunicações, sim, sob o ângulo formal e institucional da atividade, e também é modo de comunicação social, sob a ótica da sua substantividade ou materialidade em si". A Lei do SeAC, portanto, é um ponto de convergência normativa entre estas "duas categorias constitucionais de saliente relevância sistêmica", daí a sua força.

Por esta razão, entende o jurista, "é de concluir que não poderia ser outro o modelo de configuração normativa da distribuição audiovisual condicionada e de conteúdo linear". Ou seja, a oferta linear tem que ser entendida como SeAC. Para Ayres Britto, "entender-se pelo escape da distribuição internetizada e condicionada de conteúdo audiovisual linear à ordenação legal do segmento de comunicação de massa já corresponderia ao mais temerário rompimento com o modelo constitucional brasileiro".

Em relação ao Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), Ayres Britto não vê quebra do princípio da neutralidade no enquadramento como SeAC dos serviços lineares ofertados pela Internet pois o SeAC é a distribuição de conteúdos. O princípio da neutralidade se aplica ao provimento da infraestrutura, cujo provedor deve dar condições isonômicas aos diferentes provedores de conteúdos. Ayres Britto não analisou especificamente os princípios do Marco Civil que tratam "da inovação e do fomento à ampla difusão de novas tecnologias e modelos de uso e acesso" e da "liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet", bem como " livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor, e de que forma o eventual enquadramento da oferta de canais lineares pela Internet poderia caracterizar uma restrição a estes princípios.

Entenda o caso

As áreas técnicas da Anatel, no dia 13 de junho, emitiram uma cautelar impedindo a Fox de comercializar diretamente ao consumidor os seus canais lineares por meio da plataforma Fox+ (Fox Plus). Trata-se do modelo direct-to-consumer, que tem se mostrado bastante comum na estratégia das programadoras de TV paga tradicional como forma de se adaptarem a uma nova geração de consumidores e novos provedores de conteúdo que priorizam os conteúdos entregues pela Internet. O processo foi iniciado a partir de uma reclamação da Claro no final do ano passado, alegando assimetrias de regras na oferta de canais diretamente ao consumidor em relação àqueles ofertados a partir de operadoras de TV paga. A cautelar da Anatel diz que a programadora Fox deverá utilizar uma empresa outorgada no Serviço de Acesso Condicionado (SeAC) para autenticar o acesso aos canais, assegurando o cumprimento das obrigações previstas na Lei do SeAC (Lei 12.485). Até o dia 15 de agosto a Anatel tem também uma tomada de subsídios aberta sobre o tema, para então o processo ser levado ao Conselho Diretor para uma decisão de mérito. As superintendências da agência já manifestaram, em entrevistas exclusivas aqui aqui, sobre os conflitos de interpretação entre a Lei do SeAC, Lei Geral de Telecomunicações e Marco Civil da Internet, e sobre os desafios conceituais em torno do caso. Além disso, o debate se insere em um contexto ainda mais complexo, pois em outro front a Anatel ainda analisa a aplicação da Lei do SeAC no caso da fusão entre AT&T e Time Warner (hoje Warner Media), cuja resolução depende agora do conselho diretor.

A agência também já se manifestou, inclusive ao Senado, sobre a necessidade de ajustes na Lei do SeAC. Importante destacar que a decisão cautelar é apenas sobre a Fox (não afetando outros casos similares, apesar do precedente), e tampouco afeta conteúdos sob-demanda (como aqueles oferecidos pela própria Fox, Netflix, Amazon etc), conteúdos ao vivo esporádicos (como jogos de futebol) ou conteúdos ofertados gratuitamente pela Internet. O assunto é polêmico e está dividindo a indústria de TV paga. Do lado da tese apresentada pela Claro e reconhecida, em parte, pela cautelar da Anatel, estão os programadores produtores independentes nacionais, a ouvidoria da agência e a associação NeoTV, que representa pequenas operadoras e TV paga e alguns ISPs de maior porte. Contra a posição da agência estão as gigantes de Internet, os grande grupos de comunicação brasileiros (especialmente os radiodifusores) e as programadoras estrangeiras e grandes produtores de conteúdo internacionais.

Evento

Os impasses regulatórios e legais decorrentes das questões em análise pela Anatel serão um dos principais temas do PAYTV Forum 2019, evento organizado pela TELETIME e pela TELA VIVA que acontece dias 30 e 31 de julho em São Paulo, no WTC Center. Mais informações sobre participantes confirmados, a programação completa e as condições de participação estão disponíveis no site www.paytvforum.com.br

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui
Captcha verification failed!
CAPTCHA user score failed. Please contact us!