Quando a Agência Nacional de Telecomunicações (Anael) lançou o Plano Geral de Metas de Competição (PGMC), em novembro de 2012, inaugurou-se uma nova fase de regulação econômica no setor. Ficava para trás aquele período marcado por regras básicas de limitação do poder de monopólio e intervenções pontuais nos mercados de varejo. E o Brasil finalmente experimentaria promover uma política mais agressiva de contenção de condutas verticais, que comprovadamente se mostravam lesivas ao mercado e ao bem estar da sociedade. Ter optado por regras fortalecedoras da competitividade no setor de telecomunicações foi algo muito bom para os consumidores brasileiros.
A exemplo do que havia sido feito na Europa uma década antes com a Diretiva 2002/C 165/03 da Comissão Europeia, o órgão regulador brasileiro percebeu que seria benéfico à competição se apropriar de princípios e metodologias do direito da concorrência para definir mercados relevantes passíveis de regulação prévia, ex ante, e, com isso, aplicar regras assimétricas a partir do conceito de poder de mercado significativo (PMS). Afinal, tratar desiguais na medida de suas desigualdades é uma forma eloquente de promover justiça e equidade!
Seis anos depois, em julho de 2018, observando que o setor de telecomunicações havia deixado de ser um oligopólio concentrado para se transformar em um oligopólio com franja competitiva e percebendo que sua regulação assimétrica havia surtido efeito em aumentar a oferta de serviços e controlar preços, a Anatel revisou as estratégias adotadas no PGMC. Nesse momento foi sacramentada a diferença entre os grandes grupos de telecomunicações e a franja competitiva, representada pelas Prestadoras de Pequeno Porte, as PPPs, que passaram a ser definidas como aquelas empresas com parcelas de mercado nacional inferiores a 5% em cada modalidade de serviço.
Em termos de competitividade, as alterações trazidas pela revisão do PGMC, em especial o aprofundamento das assimetrias entre as PPPs e as grandes operadoras de telecomunicações, traduziram-se em benefícios diretos aos consumidores. Muito mais oferta, preços mais baixos, velocidade maiores e mais qualidade nas conexões. Os pacotes com velocidades superiores a 100 Mbps se multiplicaram entre as grandes operadoras depois que inúmeras PPPs praticavam esses planos no mercado.
Em termos de quantidade de acessos no serviço de banda larga fixa, principal mercado no qual o órgão regulador aprofundou as assimetrias, o número de assinantes atingiu 36,3 milhões em dezembro de 2020. Esses números são dados oficiais da Anatel e representam um crescimento de 84% desde novembro de 2012, quando foi editado o PGMC. E há quem diga que ainda existe um percentual significativo de acessos não notificados ao órgão regulador, situação que tende a desaparecer com a continuidade das medidas favoráveis à competitividade.
Seguindo esse raciocínio com base apenas nos números oficiais comparamos o desempenho entre as PPPs e as grandes operadoras de telecomunicações na oferta de banda larga fixa. Os dois gráficos que mostraremos abaixo indicam dois cenários, em termos lineares, a taxa média de crescimento da banda larga entre estes dois grupos de players caso os acessos da GVT, adquirida pelo grupo Vivo/Telefônica, tivessem continuado a ser contabilizados no grupo das pequenas prestadoras.
O primeiro gráfico analisa o período compreendido entre novembro de 2012, data da edição do primeiro PGMC, e julho de 2018, data da sua revisão. Por ele, mantendo entre as PPPs os acessos da GVT adquirida pelo grupo Vivo/Telefônica que a Anatel deslocou para os grandes grupos em abril de 2016, percebe-se que, nos 67 meses compreendidos no período indicado, enquanto a taxa de incremento de novos acessos foi da ordem de 62.985 acessos/mês para as grandes prestadoras, as PPPs aceleravam seu crescimento a taxa de 77.812 acessos/mês no mesmo período.
Já o segundo gráfico, que demonstra o período entre o segundo PGMC e dezembro de 2020, percebe-se que o desempenho das PPPs cresceu quase 2,3 vezes em termos de taxa de incremento de novos acessos, atingindo uma taxa média de crescimento de 255.041 acessos/mês. Nesse mesmo período, caso o grupo Vivo/Telefônica não tivesse adquirido os acessos da GVT, o número de acessos de banda larga das grandes prestadoras no país teria decrescido a uma taxa média negativa de 72.567 acessos/mês.
A taxa média de incremento de acessos juntamente com outros indicadores, como a queda do preço médio por Mb, o crescimento do número de acessos com tecnologia de fibra, o aumento da velocidade média dos acessos, todos publicados pela Anatel em detalhes, demonstram que as assimetrias tiveram relevância fundamental para melhorar a competição no mercado de banda larga fixa e aumentar o bem estar social. O que teria sido o enfrentamento do isolamento social imposto pela pandemia do Covid-19 não fosse a presença das redes implantadas pelas PPPs para ajudar no escoamento do tráfego de dados?
Uma breve comparação entre o mercado de banda larga fixa, onde a Anatel mais se dedicou a aplicar assimetrias e diferenciar os pequenos dos grandes, e o mercado de telefonia móvel, onde pouco foi realizado em termos de intervenção preventiva, ex-ante, permanecendo um oligopólio tradicional, com elevada concentração do principal ativo do serviço, o espectro radioelétrico, valida o quanto é importante o órgão regulador estabelecer e manter intervenções de natureza assimétricas. Simplesmente porque a regra simétrica, igual, tem que ser aplicada aos competidores que têm as mesmas condições. A liberdade é a regra, como está na ordem econômica do art. 170 da Constituição. Aos demais, há que se observar no mesmo dispositivo, os princípios "da livre concorrência" e do "tratamento especial para a empresa de pequeno porte".
Nesse sentido, a manutenção das assimetrias entre PPPs e as grandes operadoras precisa ser realidade inequívoca nos regulamentos que estão sendo reformados pela Anatel, em especial, na revisão do Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações (RGC). Esse regulamento, ao respaldar o PGMC e consagrar o conceito de PPP como todo e qualquer provedor com menos de 5% de participação em algum mercado nacional de varejo, confirma a razoabilidade econômica e os efeitos concorrenciais positivos inaugurados em 2018 com o PGMC.
Para ratificar a coerência do conceito de PPP com a maximização dos benefícios dos consumidores no setor de telecomunicações, precisamos abordar os principais critérios adotados pela Anatel quando de sua concepção e sua relação intrínseca com a teoria econômica e concorrencial.
A dimensão geográfica nacional utilizada no conceito de PPP tem ampla razoabilidade econômica, pois os gastos com requisitos de atendimento ao consumidor decrescem à medida em que aumenta a abrangência geográfica de oferta dos serviços de telecomunicações. Ou seja, quanto maior a escala de operação de uma prestadora, menores são seus custos com as exigências de garantia de atendimento ao consumidor. Os call centers são um exemplo natural dessa premissa, pois não há como negar que quanto maior o número de clientes de uma prestadora, menores são seus custos proporcionais com a manutenção desse tipo de estrutura de atendimento ao consumidor.
A abrangência nacional do conceito tem também efeitos pró-concorrenciais irrefutáveis, pois as assimetrias regulatórias que reduzem custos de atendimento ao consumidor em favor das PPPs acabam por criar compensações mútuas entre pequenas e grandes prestadoras: ainda que algumas PPPs possam ter alcançado posição de liderança em mercados regionais específicos, elas não contam com as vantagens de operarem em escala nacional, tais como a maior possibilidade de empacotar serviços, baixos custos de interoperabilidade de rede, poder de negociação na compra de equipamentos, planos nacionais de publicidade de marca, entre outros.
A desoneração regulatória realizada de forma assimétrica – entre PPPs e grandes prestadoras – quanto às exigências de atendimento ao consumidor em localidades ainda sem oferta faz sentido econômico e concorrencial porque, diante dos históricos índices de reclamações de consumidores do setor de telecomunicações, o órgão regulador deve estabelecer os limites mínimos de exigências apenas sobre as prestadoras com maior participação de mercado e as demais, como entrantes, seja pela competição direta, seja pela ameaça à entrada, serão obrigadas a seguir tais limites.
Quando a entrada em mercados ainda não atendidos se dá pela grande operadora, considerando a maior elasticidade preço da demanda e a hipótese de ausência de exigências mínimas de atendimento ao consumidor, há tendência de redução drástica dos dispêndios com requisitos de qualidade e de atendimento ao consumidor para compensar a impossibilidade de aumentar os preços e manter as margens de lucro. É um resultado semelhante à redução das quantidades, pesos e tamanhos de produtos não duráveis, como biscoitos, pastas de dente, sabonetes, entre outros, que, entre aumentar o preço e perder mais do que proporcionalmente a receita, prefere-se diminuir a quantidade para manter as margens.
Mas quando a entrada nesses mercados se dá pela PPP, tal efeito não se faz presente, pois a ameaça de entrada com custos médio e marginal relativamente menores da grande operadora impõe-se a necessidade de dispêndios em qualidade e requisitos de atendimento ao consumidor, mesmo que sacrificando as margens de lucro. Para os pequenos, prestar serviços de boa qualidade é questão de vida ou morte.
Ou seja, em termos econômicos e concorrenciais, ao estabelecer os limites mínimos de direitos dos consumidores apenas sobre as prestadoras com maior participação de mercado, o órgão regulador impõe às PPPs, como entrantes, seja pela competição direta, seja pela ameaça à entrada, obrigação semelhante. Ou seguem tais limites e até buscam formas criativas e eficientes de se diferenciar para compensar o poder de mercado das grandes, ou ficam impossibilitadas de competir. Portanto, os direitos dos consumidores de operadoras de diferentes participações de mercado acabam por ser exatamente os mesmos. Por que que alguém contrataria serviços de qualidade inferior podendo ter o melhor pelo preço equivalente?
Adicionalmente, importa recordar que as assimetrias entre PPPs e grandes operadoras são coerentes com a experiência internacional, pois a maioria dos países que são referência no mundo pratica intervenções regulatórias assimétricas no setor de telecomunicações.
Os exemplos de regulação assimétrica são de amplo conhecimento dos reguladores e estudiosos do setor de telecomunicações e foram adotados no Brasil e no mundo desde que foram iniciados os primeiros movimentos de privatização. Esses exemplos vão desde as primeiras intervenções regulatórias por regras de preços de acesso à interconexão nos EUA, passam pelas regras assimétricas e introdução do conceito de Poder de Mercado Significativo (PMS) na Europa, e vão até, mais recentemente, às regras diferenciadas de aquisição de faixas de frequência dos leilões do 5G para as prestadoras regionais, como é o caso do Canadá e agora também do Brasil, com a proposta de edital do 5G com blocos regionais.
Se atualmente temos um mercado de banda larga fixa promissor que está levando conectividade a um número crescente de consumidores, parte significativa desse desempenho se deve às políticas assimétricas do órgão regulador e da clara diferenciação entre PPPs e grandes operadoras. Não se pode banalizar o poder de mercado e retroceder nessa discriminação afirmativa que tantos benefícios têm proporcionado aos consumidores brasileiros.
*– Sobre o autor: Aníbal Diniz, 58, graduado em História pela UFAC. Atuou no jornalismo (1984- 1992), foi assessor de comunicação da Prefeitura de Rio Branco (1993-1996), secretário de comunicação do Governo do Acre (1999-2010) e senador pelo PT-AC (2011 e 2014). Foi conselheiro da Anatel (2015 – 2019) e atuou como relator da revisão do Plano Geral de Metas de Competição – PGMC, em 2018.