Edital de 5G pode mexer com disputa de fornecedores e alterar foco de investimentos

O edital de 5G já está praticamente definido. Com dois votos a favor da proposta do relator Carlos Baigorri, apenas uma improvável revisão de manifestação de um dos três conselheiros que já votaram no dia 24 poderia alterar algum aspecto central. Isso significa que as consequências do voto da Anatel já podem ser medidos.

A principal surpresa, que foi obrigar aos operadores a instalação de ERBs que obedeçam as especificações do 3GPP no release 16 tem potencial de mudar o jogo de forças dos fornecedores no Brasil, os espaços consolidados e abrir novas possibilidades. A especificação 5GNR Release 16 saiu no ano passado e, portanto, ainda está em estágios iniciais de utilização pelas operadoras. O que a Anatel fez, como disse o conselheiro Baigorri, foi obrigar as operadoras a entregarem o 5G em todo o seu potencial. Mas isso não significa necessariamente que as operadoras terão que construir suas redes do zero, sem aproveitar nada das redes 4G. Isso não está escrito no edital e a simples referência ao Release 16 não significa a adoção de "redes standalone" (sem vínculo com redes legadas). O release 16 mantém tudo o que estava nas especificações anteriores do 5G, inclusive o uso de redes "non-standalone", ou seja, baseadas nas redes 4G e 3G. 

Mas, mesmo os especialistas mais criteriosos ouvidos por TELETIME, que cuidadosamente preferem ressaltar que release 16 não é um imperativo para redes novas, reconhecem que não faz muito sentido ir para o estado da arte e manter um "core de rede" 4G, porque seria muito mais complicado implementar os conceitos de conceitos de URLLC (Ultra Reliable Low Latency, que são redes ultra confiáveis e de baixíssimas latências), mMTC (massive Machine Type Comunication, que é a capacidade de conectar simultaneamente uma grande quantidade de dispositivos), além do eMBB (enhanced mobile broadband, que é o aumento de velocidade das conexões, já viabilizado nos releases anteriores).

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Se tecnicamente release 16 é uma coisa e a definição se a rede será Standalone ou non-Standalone são coisas separadas, o nível de serviços exigidos pela Anatel na prática direciona a opção tecnológica para redes Standalone. O próprio relator Carlos Baigorri deixou claro o entendimento de que a Anatel está contando com implementações "greenfield" de rede, ou seja, com estruturas que não terão necessariamente vínculo com as redes anteriores. Mas a Anatel não está obrigando ninguém a fazer uma rede nova. Como explicou Baigorri a este noticiário, o release 16 é uma obrigação para cumprir as obrigações do edital, que prevê um número mínimo de ERBs a cada 15 mil habitantes por ano. Mas nada impede que a operadora avance com o 5G em versões anteriores utilizando a faixa em algumas cidades e depois evolua para o release 16.

A Anatel está apostando, contudo, que ninguém chegará nos níveis de serviço demandados se não fizer uma rede do zero. A agência usa como argumento a necessidade de garantir que o 5G no Brasil chegue em sua plena capacidade e que seja de fato uma revolução, e não apenas um 4G mais rápido. 

Fornecedores

A adoção de redes standalone pelas operadoras significa, em teoria, que as vantagens que a Ericsson e a Huawei poderiam ter na disputa pelo 5G por já terem presença no mercado de 4G, com a dominância quase total nas redes das operadoras hoje, não terá tanto peso na definição dos vendors de 5G. Essa equalização é boa notícia para a Nokia (que participa muito pouco do 4G) e para fornecedores entrantes no mercado brasileiro, como NEC e Samsung, e aqueles novos vendors que apostam no Open RAN. A Anatel inclusive vai criar um grupo com a Superintendência de Outorga e Recursos à Prestação para estudar OpenRAN e ver as implicações regulatórias que este tipo de arquitetura pode, ou não, demandar da agência. Isso está em uma das recomendações do voto de Baigorri.

Para as operadoras que já avançaram nos investimentos de 4G com vistas a um upgrade para o 5G, como Vivo e Claro, isso também significa que será necessário redesenhar o planejamento de evolução das redes e ajustá-lo à obrigatoriedade do release 16. Nesse caso, elas terão que avaliar a amplitude dos contratos com os fornecedores atuais, reavaliarem o que já pode ter sido comprado, reespecificar equipamentos e rever os cálculos. Por isso estas duas operadoras estão mais desconfortáveis com a decisão da Anatel, enquanto a TIM manifestou muito mais conforto com a exigência. A TIM, inclusive já vinha defendendo publicamente a adoção de redes standalone e em padrão aberto para o 5G.

Para Baigorri, contudo, o argumento de investimentos já feitos não tem peso porque, para ele, as contrapartidas do edital não podem ser para investimentos já feitos ou já planejados no negócio da empresa. Justamente o que a agência busca, diz, é estimular investimentos que não seriam feitos de outra maneira, em troca do direito de uso do espectro.

Cálculo completo

O fato é que a Anatel está calculando o edital com base nos custos e no potencial de receitas do 5G Release 16. Isso significa que, se de um lado, a rede custará mais às empresas porque terá que ser feita do zero, impactando os investimentos iniciais, de outro ela poderá potencialmente gerar mais receitas. E aí é que entram as diferenças. No governo a estimativa é de um preço mínimo entre R$ 25 bilhões e R$ 35 bilhões, que precisariam ser compensados pelas obrigações de investimento. Já as empresas calcularam, incialmente, menos de R$ 20 bilhões como preço mínimo para todas as frequências. Essa conta agora precisará ser refinada com o TCU. 

Outra possível consequência é que o impulso que o 5G já estava proporcionando no varejo, com a crescente chegada de smartphones preparados pelo menos para o 5G DSS, e que provavelmente seria o grande "hit" das datas fortes de venda em 2021 (Dia das Mães, Black Friday, Natal etc), pode sofrer um revés, aguardando a chegada dos smartphones compatíveis com o 5G Release 16 prontos para redes Standalone.

A Anatel também terá que definir os critérios para fiscalizar se as operadoras cumpriram os requisitos para implementar os conceitos de URLLC e mMTC, o que provavelmente será feito a partir dos equipamentos certificados.

Vulnerabilidade

Há ainda uma importante variável geopolítica: redes standalone tiram das teles o argumento de que, para barrar a Huawei, por exemplo, as empresas teriam que trocar equipamentos também nas redes legadas. Ou seja, fica mais fácil viabilizar um rompante governamental proibindo fornecedores chineses. Não por acaso, este dispositivo, combinado com a afirmação de Jair Bolsonaro de que "nada está decidido sobre 5G", está deixando muita gente no mercado preocupada. Não que a empresa não tenha rede ou tecnologia para participar dos processos de seleção das operadoras para redes standalone, mas excluir a empresa do 5G fica mais fácil, caso o presidente Jair Bolsonaro retome esta pauta.

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