Tensões internas colocam em xeque participação do CGI.br na NetMundial Initative

O resultado ficou pior do que a emenda. Essa é uma percepção do que está se tornando a NetMundial Initiative (NMI), plataforma elaborada em conjunto pelo Comitê Gestor de Internet do Brasil (CGI.br), Fórum Econômico Mundial (WEF) e pela Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN), para parte de envolvidos. Enquanto chovem críticas da sociedade civil e até de entidades técnicas como a Internet Society (ISOC), há um mal-estar interno no CGI.br que mostra que nem todos estavam de acordo com a participação do Comitê. Internamente, há inclusive quem entenda que a entidade estaria sendo induzida a defender interesses do governo norte-americano, através da ICANN.

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Segundo apurou este noticiário junto a conselheiros do CGI, a carta aberta da entidade divulgada na terça-feira, 25, em que justifica sua participação na NetMundial Initiative, acabou servindo para causar ainda mais constrangimento. "O Brasil ter que se justificar porque está ocupando uma posição é desagradável, mostra que a coisa não foi (uma iniciativa) bem compreendida. E se não foi, mostra atropelo nas decisões", relatou uma fonte.

Há ainda um aparente mal-estar interno porque tanto a iniciativa quanto a carta de justificativa teriam acontecido sem aprovação ampla dos 21 membros do conselho da entidade. "Muitos conselheiros reclamaram que nem foram comunicados. Não pode se dizer que o CGI se posicionou porque a maioria nem participou. Não foram nem ao menos 11 pessoas, o que daria a maioria", declarou outra fonte, que também não quis se identificar. Os argumentos da coordenação do CGI.br teriam sido a necessidade de agir rapidamente para as tomadas de decisões. "Nem uma consulta por e-mail foi feita", reclama.

Muitas das decisões seriam tomadas com o peso da participação de membros do governo no Comitê Gestor que, sem a maioria, conseguiria acabar prevalecendo. "Se a gente olhar a opinião do governo, os participantes não se pronunciam e nem foram envolvidos", diz, revelando que não entrou no mérito da decisão e que nem tem opinião sobre a participação da entidade na NetMundial Initiative, apenas criticando a falta de consulta. "Já foi feita uma reclamação internamente, até por membros do terceiro setor, mas a resposta foi que 'o tempo é curto'."

Política internacional

Mais o problema de fundo é ainda maior. Segundo um observador próximo ao governo ouvido por este noticiário e que acompanha de perto a situação, os recentes avanços do País em debates sobre governança de Internet e segurança da rede foram usados na iniciativa para credenciá-la, mas não de forma transparente. "Acho que a boa experiência multistakeholder brasileira e o processo de protagonismo que o Brasil tem desempenhado nessa área estão servindo de escudo para os interesses da ICANN", avaliou a fonte. A entidade norte-americana estaria executando a manobra para se antecipar e representar o governo dos Estados Unidos, desviando o assunto das discussões sobre privacidade e espionagem para gerar atenção para a plataforma e gerando decisões consideradas precipitadas. "Ou seja, o País está (agindo) com relativa ingenuidade nessa história; ou, se não está, está sendo no mínimo burro, porque não está se valorizando", critica a fonte.

O problema não é NetMundial Initiative em si, mas a forma como ela vem sendo construída. "Apesar de haver grupo transitório (o Conselho de Transição), as pessoas estão se sentindo conduzidas por um processo, e não participando dele. E o Brasil está correndo risco de se queimar, desviando o foco do que interessa para o foco da ICANN", opina a fonte, chamando a posição brasileira de falso protagonismo. Prova disso seria o desvio do debate sobre segurança cibernética e neutralidade de rede durante o NetMundial em abril, em São Paulo, além dos próximos passos definidos pelo País. "O Brasil vai sediar o IGF (Internet Governance Forum, em 2015), então estamos sempre bancando eventos, custeados financeiramente com recursos do NIC.br (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR); mas qual é o retorno real disso? Visibilidade talvez interessante, mas que não se reflete em ponto de vista prático de exercício de protagonismo de autoridade, porque estamos sendo conduzidos pela ICANN."

A neutralidade de rede e a privacidade, aliás, são consideradas dois dos principais debates atuais da comunidade internacional, mas teriam recebido abordagem insipiente desde a realização do NetMundial no Brasil, em abril. Isso seria o oposto das duras críticas à prática de espionagem dos EUA feitas pela presidenta Dilma Rousseff em seu discurso de abertura da ONU em 2013. De acordo com um observador do governo, deveria ter havido maior contundência do Comitê Gestor de Internet nesses casos: "ele não sabe o que fazer". A elaboração do decálogo, que antecedeu o NetMundial e foi base para o Marco Civil da Internet, teria sido apenas uma conquista teórica. E, no caso da espionagem da presidenta, a omissão seria o problema. "A postura do CGI no caso Edward Snowden foi de uma timidez constrangedora", avalia a fonte. "Qual foi a contribuição que a Net Mundial deu (nos temas)? Praticamente nenhuma, ou nenhuma. A internacionalização da ICANN (na verdade, das funções da Internet Assigned Numbers Authority – IANA), que envolve muitas questões de registro de domínio e protocolo IP, é importante, mas não é prioridade se comparada às outras", declara.

Caravana neoliberal

O ponto levantado pelos críticos é que, com o endosso do CGI ao NetMundial Initiative, o Comitê brasileiro estaria "emprestando o nome" do País para duas entidades e servindo de alavanca para elas. Esse é um argumento que possui coro internacional, em especial por existir desconforto com a ICANN e com o Fórum Econômico Mundial, que também apoiam a iniciativa. No último dia 17, a Just Net Coalition, entidade que representa a sociedade civil, publicou em seu site uma carta aberta chamando a iniciativa de "caravana" com o objetivo "neoliberal de capturar a governança global". A coalizão diz que "rejeita firme e fortemente a transferência de prerrogativas da governança global para iniciativas com liderança corporativa como o NMI, porque tais iniciativas não são consistentes com a democracia", disse o comunicado. 

A participação brasileira é chave nessa questão, e há a crítica de que a atuação do CGI.br e de seu coordenador, o secretário do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Virgílio Almeida, estariam levando a entidade e ficar desconectada dos interesses estratégicos do governo. "O MCTI é lugar de acadêmicos, e isso não é assunto para eles, é para a diplomacia, para assuntos internacionais, para colocar o Brasil na liderança de um processo como autoridade no mundo e capaz de questionar condutas e procedimentos que vão contra os direitos de cidadãos. O País tem que ter autoridade e não andar a reboque de interesses da ICANN", reitera uma fonte do governo. Existe um movimento para delegar essas questões à Presidência e ao Ministério das Relações Exteriores, propondo até que o Brasil se torne sede de um possível organismo, como a ICANN internacionalizada. "Estamos falando de coisa maior que o CGI.br, de sediar organismo mundial de fato, que não tenha influência da ONU em Genebra, mas que também não tenha influência dos EUA", destaca. Importante lembrar que a posição da ISOC ao criticar a NetMundial Initiative foi justamente de não ser necessário mais plataformas para discutir governança da Internet.

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