Eunício e a conveniência de uma interpretação jurídica estranha

Foto: Steven Goodwin/FreeImages.com

(Atualizado em 25/08 à as 08:30) Era para ser um momento de retomada da discussão sobre um novo modelo de telecomunicações. Mas a reunião entre mais de 30 representantes das principais empresas de telecomunicações com o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB/CE), articulada pelo ministro Gilberto Kassab, foi no mínimo uma grande frustração de expectativas. Segundo diversos relatos colhidos por este noticiário, Eunício Oliveira repetiu, sem abrir espaço para discussão ou divergência, a mesma tese jurídica que defendia em fevereiro: a de que só dará prosseguimento à tramitação do PLC 79/2016 depois que o Supremo julgar a matéria, objeto de Mandado de Segurança impetrado pela oposição e de uma cautelar. O PLC 79 institui um modelo em que as concessões são substituídas por autorizações, entre outras medidas. Antes da reunião, em declarações à imprensa, Eunício Oliveira, que foi ministro das Comunicações, disse não ver a matéria como urgente nem relevante diante de outras questões que se colocam ao Senado. Durante a reunião, não quis ouvir os argumentos em defesa do projeto.

Mas um fato inusitado aconteceu durante a reunião: um dos participantes resolveu contestar a tese jurídica defendida pelo presidente do Senado. Argumentou que a cautelar expedida pelo ministro do Supremo Luís Roberto Barroso exigia uma ação por parte do Senado, e não a espera. O presidente do Senado não abriu espaço para esta discussão e matou o assunto. Vale, contudo, uma reflexão: Eunício está certo ao esperar o Supremo julgue a ação da oposição antes de fazer algo?

A cautelar, recorde-se, foi dada depois das trapalhadas do então presidente do Senado, Renan Calheiros, que descumpriu uma determinação do STF assinada por sua presidente, ministra Carmen Lúcia: a de não mandar o PLC 79 para sanção presidencial antes do fim do recesso parlamentar, dia 1 de fevereiro. Mesmo assim Renan resolveu mandar o texto para sanção dois dias antes do prazo instruído, disparando protestos da oposição e uma nova cautelar, a de Barroso.

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Este noticiário conversou com alguns juristas que avaliaram a liminar. Todos consideram a interpretação de Eunício Oliveira estranha. Alguns consideram que o presidente do Senado pode inclusive estar descumprindo a liminar ao não fazer nada. Mas ninguém escolheria a interpretação de Eunício como primeira opção.

Vale relembrar o que diz a cautelar (cuja íntegra está disponível aqui): "determinar que o Projeto de Lei da Câmara nº 79, de 2016, retorne ao Senado Federal para apreciação formal dos recursos interpostos pelos Senadores impetrantes e para que não seja novamente remetido à sanção presidencial até o julgamento final deste mandado de segurança ou ulterior decisão do Relator do feito após o recebimento da decisão da autoridade impetrada sobre os recursos interpostos". A análise dos advogados é de que existem dois comandos na ordem. A primeira é clara: "determinar que o Projeto de Lei da Câmara nº 79, de 2016, retorne ao Senado Federal para apreciação formal dos recursos interpostos pelos Senadores impetrantes". Ou seja, o PLC 79, que estava na presidência da República para sanção, deveria retornar ao Senado para que houvesse um posicionamento formal sobre os recursos da oposição.

O Planalto cumpriu sua parte e mandou o projeto de volta, a mesa diretora do Senado avaliou os recursos da oposição mas não comunicou a decisão aí Supremo (Nota do autor: este trecho foi alterado para refletir corretamente a tramitação).

Para que não reste dúvida de que o Mandado de Segurança é apenas sobre o reconhecimento ou não dos recursos (e não sobre o mérito do PLC 79), basta voltar um pouco no texto da cautelar, onde o ministro Barroso resume: "o fato relevante que se apresenta agora neste mandado de segurança é que não houve – ou, ao menos, não foi noticiado nos autos que tenha havido – apreciação formal e fundamentada dos recursos apresentados pelos impetrantes para que a matéria seja discutida em Plenário. Aparentemente, a despeito de ter o Presidente do Senado indicado que a matéria não seria resolvida no curso do recesso parlamentar e da manifestação contundente da Ministra Carmen Lúcia a esse propósito, o projeto de lei seguiu à sanção presidencial, sem uma decisão formal da autoridade impetrada a respeito da admissibilidade ou não dos recursos interpostos pelos impetrantes".

O segundo comando da cautelar de Barroso é o item que está gerando toda a confusão e no qual Eunício Oliveira está se apegando para manter o projeto no limbo. A ordem é "para que (o PLC 79) não seja novamente remetido à sanção presidencial até o julgamento final deste mandado de segurança ou ulterior decisão do Relator do feito após o recebimento da decisão da autoridade impetrada sobre os recursos interpostos". Ou seja, o Supremo quer avaliar se houve ou não o cumprimento da primeira determinação, que é o julgamento dos recursos da oposição, antes de permitir a sanção. E esta avaliação pode se dar ou na decisão de mérito ou nova decisão do relator após ser informado pelo Senado de qual foi a decisão sobre o recurso. O julgamento final do mandado de segurança é apenas um dos momentos em que o Supremo poderá, ou não, dizer se a mesa diretora do Senado cumpriu suas obrigações regimentais. A interpretação corrente entre os juristas ouvidos é que nada impede o Senado de julgar os recursos (o que já aconteceu) finalizar a tramitação do projeto e avisar o Supremo de que todas as etapas regimentais antes da sanção foram cumpridas.

O atual relator do caso é o ministro Alexandre de Moraes, que poderia suspender a cautelar e dar o sinal verde para a sanção em "ulterior decisão do Relator do feito após o recebimento da decisão da autoridade impetrada sobre os recursos interpostos". A cautelar diz claramente, ao longo de sua análise: "independentemente do acerto da decisão de eventual rejeição dos recursos que venha a ser proferida – ou que tenha sido proferida sem o conhecimento desta Corte –, impõe-se que seja tornada pública antes da remessa do projeto de lei à sanção presidencial. Somente desse modo será possível verificar o respeito à norma constitucional". Ou seja, está claro que o Senado tem que, antes de mais nada, se manifestar ao Supremo sobre os recursos.

É improvável que Kassab faça qualquer gestão junto ao ministro Alexandre de Moraes para pautar a matéria, pois não o fez até agora, mesmo sabendo que Eunício tinha esta interpretação desde fevereiro. As operadoras também não têm espaço para tratar do assunto com o ministro relator no Supremo porque não são sequer parte da ação. E Eunício Oliveira não mostra, obviamente, interesse no assunto. E o Planalto nunca manifestou nenhum interesse na reforma do modelo de telecomunicações, especialmente no PLC 79, talvez por temer o ônus político, talvez por não vislumbrar nenhum bônus político imediato. Esta postura passiva do Planalto, aliás, mostra que o discurso de que promoveria reformas setoriais para atrair investimentos é ainda apenas uma promessa a se cumprir.

Ao adotar a interpretação mais improvável de todas em uma cautelar que parece óbvia, Eunício deixa claro que não quer assumir o PLC 79 como sua responsabilidade, ainda que a obrigação regimental de zelar pela tramitação correta do projeto caiba ao presidente do Senado, qualquer que seja a matéria. É também evidente que ele não se sente confortável com o projeto, talvez por considerá-lo do interesse de seu antecessor Renan Calheiros, ou por alguma diferença política com o ministro Gilberto Kassab, ou para manter uma boa relação com a oposição. O fato é que nada indica que o projeto sairá do limbo. Se o setor de telecomunicações de fato quer um novo modelo, talvez precise de um plano B. E o plano B no momento são ajustes regulatórios pontuais que também estão enrolados, como a reforma do Plano Geral de Metas de Universalização (também no limbo da espera do PLC 79) e a viabilização dos TACs (o que depende de convencer o TCU).

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