As complicações da Anatel

Amada por ter nascido com a privatização do setor de telecomunicação no Brasil e odiada por aqueles que não vêem seus interesses atendidos, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) passa por uma séria crise. O órgão regulador já foi criticado, em outras ocasiões, por não fiscalizar o setor com eficiência, não agir com pulso firme para garantir a competição, entre outras acusações por sua forma de atuar. Mas um problema ainda mais grave torna-se cada vez mais ameaçador.
Dos 1.892 funcionários da agência, apenas 707 são permanentes. Os demais estão distribuídos entre temporários contratados (618) e externos (567) – estes últimos são menores, terceirizados e estagiários. Ou seja, quase metade de uma agência responsável por garantir a competição e fiscalizar um setor importante como o de telecomunicação é de funcionários temporários. Nos últimos meses, os conselheiros da Anatel vinham se queixando da situação precária em que a agência se encontrava. Um exame mais detalhado revelou que eles tinham razão.
O órgão tornou-se um celeiro de formação de recursos humanos especializados para fomentar a iniciativa privada. Além de não poder contratar a maioria dos funcionários, os que estão regularizados recebem baixos salários. Poucos conselheiros abnegados resistem aos convites da iniciativa privada e continuam trabalhando na agência.

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Para saber como o quadro administrativo chegou a esse ponto, é preciso retroceder a 19 de julho de 2000, quando foi aprovada a Lei 9.986, que trata da gestão de recursos humanos das agências reguladoras. Por uma discordância sobre a qual regime jurídico seriam submetidos os funcionários, entre outros pontos, o caso ficou emperrado. PT e PDT uniram-se e entraram com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar esses itens. E até agora, dois anos depois, nada foi resolvido na Justiça. Enquanto isto, os quadros do órgão regulador vão desmoronando.
Mesmo com as altas taxas de desemprego no País, é difícil manter funcionários qualificados e bem treinados com salários muito aquém daqueles pagos pela iniciativa privada. Por isto, o vaivém na agência é constante, o que, naturalmente, compromete a qualidade do serviço. Sem falar no tempo e investimento empregado para treinar os profissionais. Não é difícil entender, agora, por que a fiscalização dos serviços era deficiente, e quando recebia as críticas, o presidente da Anatel tentava se justificar, alegando que tinha poucos funcionários.
Soma-se a isso outra complicação. Nos últimos dias, o ministro das Comunicações, Juarez Quadros, decidiu antecipar o processo de recondução do conselheiro José Leite Pereira, que ficará no cargo por mais cinco anos. Há alguns fatos a considerar. Primeiro, o mandato de Leite só venceria no próximo dia 4 de novembro. Ao antecipar o processo, o ministro deu uma notícia boa ao mercado, mas nem tanto para o futuro presidente da República.
Para o mercado, manter o conselheiro no cargo significa garantir na Anatel um profissional com perfil técnico e alinhado com os compromissos da agência.
O ministro, por sua vez, pôde assegurar a continuidade de alguém de sua confiança, sem ter de recusar ou atender outras indicações embaraçosas. A notícia ruim ficou para o próximo presidente da República que, embora eleito antes do término do atual mandato do conselheiro, terá de aceitá-lo no cargo por um longo período, sem direito a escolha.
E esse não será o único ponto desconfortável para o próximo presidente. Logo ele descobrirá que não poderá trocar também o presidente da Anatel. Luiz Guilherme Schymura, não se sabe se por algum erro involuntário, foi nomeado conselheiro e presidente da agência no mesmo decreto. Se por algum motivo, seja político, afinidade ideológica ou compromisso de campanha o substituto de FHC quiser nomear alguém para o lugar de Schymura, terá dificuldades.
Acontece que o Parágrafo Único do Artigo 5º da Lei 9.986 estabelece que ?…O presidente (da Anatel) será investido na função pelo prazo fixado no ato de nomeação.? Isto quer dizer, teoricamente, que Schymura terá que ser mantido como conselheiro e presidente até o final do mandato previsto no decreto – novembro de 2005. Se as nomeações estivessem desmembradas, poderia ser destituído da presidência, caso o novo governo desejasse, e mantido como conselheiro. A questão nem é relativa ao seu desempenho, mas à liberdade do próximo governo para resolver impasses. Há poucos meses no cargo, Schymura ainda não conseguiu integrar-se com a equipe da Anatel.
O ministro Quadros inclusive o tem aconselhado para que tome decisões em conjunto com os conselheiros, o que demonstra que ainda restam arestas para serem aparadas e que o time regulador não é coeso.

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