Sob protestos, proposta da FCC de "regulação leve" para a Internet será votada na próxima semana

Em exatamente uma semana, a agência reguladora norte-americana, a Federal Communications Commission (FCC) votará a proposta "Restoring Internet Freedom Order", que na prática é a reversão das regras da Open Internet de 2015. Anunciada no final de novembro e recebida com protestos por parte dos consumidores e de empresas de Internet, a ideia da entidade é que a classificação da banda larga como serviço essencial na Title II é "uma solução em busca de um problema", e que a saída é uma regulação leve (light touch), redirecionando a Internet nos Estados Unidos para uma quase autorregulação, abrindo caminho para uma guerra franca pelo fim da neutralidade de rede. O documento da proposta tem 188 páginas, mais 21 de anexos, e pode ser lido (arquivo PDF em inglês) clicando aqui.

O argumento da proposta continua sendo que os investimentos em banda larga nos EUA caíram dois anos seguidos pela primeira vez "fora da recessão e na era da Internet". O chairman da FCC (e ex-funcionário da operadora Verizon), Ajit Pai, justifica replicando argumentos das teles que as novas regras permitirão inovação na rede. O dado é rebatido por entidades pró-neutralidade de rede como o grupo Free Press, que cita os próprios provedores em documentos na SEC ou conferências com investidores, nos quais nenhuma empresa teria admitido haver redução de investimentos em função da reclassificação da banda larga para Title II – a Comcast, por exemplo, aumentou os investimentos em 10,2% no primeiro trimestre de 2017, enquanto a Verizon aumentou em 3,1% o Capex no acumulado de dois anos após as mudanças das regras na administração Barack Obama. Pai contra-ataca ao citar um post do blog do economista Hal J. Singer, que reporta uma queda de 5,6% nas receitas de banda larga em 2016 – ou seja, sem considerar Capex em handsets ou em infraestrutura estrangeira, por exemplo.

O texto da FCC pede uma volta à regulação leve, acabando com as regras "estilo utilities", sob pretexto que irá criar mais investimentos na infraestrutura digital, o que levaria à criação de trabalho, aumento de competição e "acesso à Internet melhor, mais rápido e mais barato para todos os norte-americanos, especialmente aqueles em áreas rurais e de baixa renda". Para tanto, reclassifica a banda larga como um "serviço de informação", reintegra a classificação privada da banda larga móvel e "clarifica" os efeitos em outras agendas regulatórias, incluindo a "necessidade para uma abordagem regulatória federal uniforme para aplicar para serviços de informação interestaduais como o serviço de acesso à Internet de banda larga".

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Também planeja adotar requerimentos de transparência para provedores de Internet sobre suas práticas (retornando às regras adotadas em 2010, mas com "certas modificações limitadas para promover transparência adicional), além de restaurar o alcance da FTC para a regulação no tratamento com o consumidor "sem regulações pesadas". Também planeja eliminar os padrões de condução da Internet (Internet Conduct Standard), consideradas "vagas e caras" por microgerenciar modelos de negócios inovadores.

A Comissão critica a classificação da Title II por considerar que não apenas aborda a última milha como serviço de telecomunicações, mas também as transmissões entre provedores de infraestrutura, como backbone. Por isso, quer fazer a distinção dos demais serviços de utilities, tratando-o como serviço de informação de acordo com o 1996 Act, que o desregulamenta.

Neutralidade

No ponto mais polêmico, o de neutralidade de rede, é interessante notar que a proposta cita, quase sempre em notas de rodapé, argumentos de próprios provedores, como AT&T e Comcast em 2008 (ainda antes do crescimento exponencial de tráfego de vídeo). As teles alegam que a neutralidade nunca foi um problema porque "normas de transparência e de boas práticas levaram provedores de banda larga e de ponta a engajar em competição aberta e justa, mesmo sem regulações". Também concorda com operadoras ao desconsiderar evidências de prejuízo à Internet com a quebra de neutralidade em outros países, alegando serem outro contexto. Diz ainda que boa parte das queixas discutidas na Title II Order poderiam ser tratadas como violações de antrituste, e que poderiam ser abordadas pelo departamento de comércio, a Federal Trade Commission. Vale notar que o mesmo economista citado anteriormente por Pai, Hal Singer, em outro artigo, defende a neutralidade de rede e argumenta ser equivocado atribuir à FTC o papel de fiscal da discriminação de tráfego na Internet.

Pai também apresenta uma aparente incongruência das regras de neutralidade com a modernização de redes, citando argumento da Ericsson de que o uso de fatias de rede (network slicing) poderia ser considerada uma quebra na neutralidade ou a necessidade de a Internet das Coisas (IoT) ter tratamento diferente. O network slicing é considerado vital para a futura arquitetura de rede com a chegada da 5G.

Ainda neste assunto, considera que o tratamento isonômico dos pacotes de dados, "de acordo com modelos econômicos", na verdade "é mais provável que piore o gargalo digital do que melhore". O argumento é que a priorização paga permitiria mais investimentos, com retorno de menores preços para o consumidor. Coloca que a "precificação diferenciada" da Internet permitiria o desenvolvimento de plataformas gratuitas e moldadas especialmente para desconectados, citando como exemplo o Free Basics do Facebook (antigo internet.org). O documento não cita críticas a esses modelos de "jardins fechados" (walled gardens), alegando que empresas como Yahoo e AOL já tentaram a prática, mas falharam. Em relação ao zero-rating, defende que não há evidências de que a prática pode ser danosa (citando um estudo da Wireless Telecommunications Bureau, departamento de serviço móvel da própria FCC), e que a regulação em cima disso traz incertezas jurídicas.

Consulta comprometida

A FCC diz que leva a sério os 22 milhões de comentários online que recebem em sua plataforma de consulta pública sobre a Title II, mas reitera que se tratam apenas de reclamações informais sobre neutralidade de rede que não foram verificadas e, por isso, inválidas. "Das reclamações que realmente discutem ISPs, frequentemente alegam frustração com uma pessoa ou entidade, mas não alegam má conduta pelas regras da Open Internet. Assim, não nos é requisitado resolver todas essas reclamações informais antes de proceder com as regulação. Já que não nos baseamos em reclamações informais para nossas decisões que fazemos hoje, não temos uma obrigação de incorporá-las no registro."

Segundo um estudo dos próprios ISPs, 98,5% dos comentários foram contra a proposta de Ajit Pai. E, de acordo com o cientista de dados e engenheiro de software Jeff Kao, 1,3 milhão de comentários que apoiavam as medidas eram fraudulentos (utilizando textos duplicados ou com variáveis similares), sendo que metade teriam sido de endereços de email russos. "É assustador pensar que vozes orgânicas e autênticas no debate publico – mais de 99% das quais são a favor da manutenção da neutralidade de rede – estão sendo abafadas por um coro de robôs de spam", concluiu Kao em seu website Hackernoon.

Alheio à opinião pública, o chairman da FCC foca no uso de redes sociais para replicar as vozes a favor do projeto – muitas vezes sendo atacado com comentários racistas ou mesmo ameaçadores contra ele e sua família. E enquanto discute no Twitter com celebridades pró-neutralidade de rede como Alyssa Milano e Mark Ruffalo, Ajit Pai vai caminhando para a aprovação da proposta com o apoio dos Republicanos no Congresso e na Casa Branca. Se não for adiada perante a pressão popular e da bancada Republicana, a votação do texto será durante a reunião da Comissão na próxima quinta-feira, 14.

Entidades setoriais apoiam

Naturalmente, as associações setoriais comemoraram a proposta. A CEO e presidente da organização da indústria móvel CTIA, Meredith Baker, elogiou Ajit Pai por "agir para livrar a Internet da regulação estilo utility que congela investimentos". Declara ainda que a ação permitirá um mercado wireless competitivo que leve a novos serviços e inovações para o consumidor, "preservando uma Internet aberta para todos os americanos".

Já a associação nacional de cabo e telecomunicações (NCTA) cita defesas da proposta de Pai na imprensa, como no Boston Globe ou na Forbes. "Enquanto a conversa e o debate continua sobre um importante ponto da regulação de Internet, esperamos que mais pessoas vejam que não há motivo para pânico", declara a associação. E argumenta que nada mudará para o consumidor. "Seja regulada pela Title I ou Title II, os ISPs têm um interesse investido em não bloquear, sufocar ou priorizar conteúdo. Não apenas porque faz mais sentido em negócios deixar a Internet aberta, mas porque os consumidores claramente querem isso. Mas com a Title I, o investimento, oportunidade e acessos podem florescer." 

A associação de banda larga US Telecom reforça que as regras de neutralidade de rede são "vitais para um ecossistema de banda larga pró-consumidor, pró-inovação e pró-investimento". Porém, diz que a regulação da Title II "não é necessária" para tanto, mas sim, regras claras, modernas e imputáveis, enquanto o nivelamento do campo permite que todos os competidores tenham uma chance com tratamento igual. O CEO da entidade, Jonathan Spalter, declarou que a proposta de Ajit Pai "é um passo crítico para fechar o gargalo digital e garantir as proteções da neutralidade de rede para todos".

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