Marco Civil ainda não está pacificado e continua alvo de propostas de mudanças

Após três anos e meio de sua implantação, o Marco Civil da Internet ainda recebe com frequência propostas para sua alteração, enquanto a própria aplicação da Lei nº 12.965/2014 ainda gera diferentes interpretações, seja a respeito de zero-rating ou nas decisões do judiciário a favor de bloqueio de aplicações. Com isso, a legislação ainda é objeto de discussões entre diversos setores, com pontos que ainda estão longe de ser pacificados. Essa foi a visão de especialistas representantes da sociedade civil, do empresariado e de instituições técnicas durante debate no terceiro dia do VII Fórum da Internet no Brasil nesta quinta-feira, 16, no Rio de Janeiro.

"A realidade na prática, inclusive no dia a dia de trabalho, é que quase toda a semana aparece um PL novo querendo fazer outra mudança, muitas vezes para pior, aniquilando toda a lógica da criação da legislação", conta o diretor de políticas públicas do Google Brasil, Marcel Leonardi. Explica que, por outro lado, a lei não precisa ter um texto imutável e pode ser complementada, como deverá acontecer com a eventual aprovação de uma lei de proteção aos dados pessoais. "O MCI é uma lei ordinária e está sujeita ao trâmite legislativo, e isso pode fazer sentido", defende. Mas reconhece que assegurar a Lei é um "desafio permanente" no Brasil.

Na visão de Leonardi, há ainda incompreensões a respeito de aspectos da Lei no Brasil. Ele cita que não há incongruência na redação sobre anonimato em relação à Constituição, uma vez que um nome ou foto de perfil "falsos" não significam que o IP ou alguma forma de reconhecimento do autor de uma publicação sejam desconhecidos. O argumento é o mesmo do diretor do ITS-Rio, Carlos Affonso. "Perfil falso não é anônimo, não é manifestação de anonimato."

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Affonso cita também a questão dos bloqueios de aplicações como um problema recente. "O poder geral de cautela não é um cheque em branco", diz, argumentando que o impedimento é uma medida "absolutamente desproporcional". Por conta disso, acredita que o entendimento do ministro do STF Ricardo Lewandowski sobre o bloqueio do WhatsApp foi um caso de "decisão importante" baseada no Marco Civil da Internet. "Estamos em período pré-eleitoral, e o MCI é uma lei fundamental importância para traçar diretrizes."

Zero-rating

Apesar de aparentes avanços, o Marco Civil da Internet ainda gera diferentes interpretações entre setores. Segundo argumenta a coordenadora executiva do Intervozes, Bia Barbosa, o MCI está "longe de ser implantado da maneira como esperávamos". Diz que há falta de políticas públicas para universalização de banda larga fixa, e que a neutralidade de rede estaria sendo violada por operadoras de telecomunicações com os planos de zero-rating. Segundo ela, a Lei proíbe a priorização de pacotes de dados em função de arranjos comerciais. "Na nossa leitura, há clara proibição por práticas de zero rating, inclusive antes do término da franquia", diz.

Em participação da plateia, o diretor do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil), Alexander Castro, argumentou que o zero-rating já foi considerado em conformidade com o Marco Civil em decisão do Cade (embora ainda enfrente recurso da Proteste), com posicionamento também a favor da Anatel. E que isso não teria ligação com o entendimento do setor sobre neutralidade técnica. "Não tem priorização, pelo contrário, as empresas seguem rigorosamente, acompanham o conceito de que o primeiro pacote que chega é o primeiro que sai", defende. Ele sustenta que o próprio relator do MCI, o deputado Alessandro Molon, defendia que o conceito de neutralidade estaria vinculado a questões de roteamento, comutação e transmissão de pacotes.

O conselheiro do CGI.br, Luiz Fernando Castro, argumenta que a leitura da nota técnica do MCTIC é que não há violação, mas que a neutralidade de modelo de negócios ainda precisa ser discutida em esferas competentes. Mas diz que é preciso não ter ingenuidade de achar que a sociedade terá mesmo nível de privacidade de décadas passadas. "Todo mundo quer de graça, quer zero-rating, não quer franquia e não quer dar nada (em troca): me engana que eu gosto", afirmou. Para ele, o que falta é transparência e clareza para o consumidor no tratamento da privacidade.

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