Contra Condecine, teles alegam inconstitucionalidades e pedem devolução de valores já pagos

A leitura atenta da inicial que embasa o mandado de segurança coletivo do SindiTelebrasil (sindicato patronal das empresas de telecomunicações) contra a Ancine, e que resultou em decisão liminar suspendendo o pagamento da Condecine, mostra que o movimento das teles é muito mais agressivo do que parecia. A começar pelo fato de que as empresas de telecomunicações pedirem não só para não pagar a contribuição, mas também exigirem, na Justiça, a devolução dos valores já pagos nos últimos cinco anos, após o julgamento do mérito da ação. Até hoje, houve apenas três anos de recolhimento do tributo (a partir de 2012), o que totaliza um montante de R$ 2,07 bilhões. Se a liminar eventualmente cair e o pagamento referente a 2015 precisar ser feito em 31 de março, como previsto, esse montante será engordado em mais R$ 900 milhões. Ou seja, a ação das empresas de telecomunicações começa com R$ 3 bilhões em disputa, sem falar na correção.

Além disso, a argumentação é toda centrada em supostas inconstitucionalidades na cobrança da Condecine Teles. Ou seja, é uma ação desenhada para ir até o Supremo Tribunal Federal, indicando a disposição das empresas de telecomunicações de levar a batalha adiante por anos, mesmo que a União consiga reverter a suspensão liminar.

Outro aspecto curioso é que a ação sequer menciona o aumento de 28,5% da Condecine realizado em 2015, fator alegado pelas empresas de telecomunicações como "deflagrador" da disputa. Ou seja, a briga é, de fato, contra o modelo tributário estabelecido como um todo, e não contra aspectos específicos.

Notícias relacionadas

A ação também pede a inconstitucionalidade da Medida Provisória 2.228-01/2001 ao estabelecer o tributo, o que significa dizer que toda a Condecine, e não apenas a parte paga pelas teles, está em risco, a depender do mérito da ação.

Argumentação

O direito tributário é sempre matéria complexa e extremamente técnica, mas no caso das teles contra a Condecine os argumentos colocados são relativamente simples de serem compreendidos.

O primeiro ponto da argumentação é a falta do princípio da "referibilidade" na Condecine Teles. O que se alega é que a Constituição, ao estabelecer as contribuições de intervenção de domínio econômico (CIDEs, como seria a Condecine) impõe que haja um benefício específico para quem paga o tributo ou, pelo menos, que haja uma relação clara entre o objetivo da contribuição e as atividades ou interesses de quem paga. Segundo as teles, nenhuma destas relações existe, pois a Condecine abastece um outro setor econômico, que é o da indústria cinematográfica, "tendo, portanto, seu objetivo ligado à educação e à cultura". A inicial não menciona o fato de que algumas teles atuam no segmento de TV por assinatura, que indiretamente poderia se beneficiar da produção audiovisual nacional.

Outro argumento colocado pelas empresas de telecomunicações é o de que uma contribuição de intervenção no domínio econômico não pode ser usada para a atuação do Estado na chamada "Ordem Social". Ou seja, propósitos que não sejam estritamente econômicos não podem ser bancados por esse tipo de contribuição, e as teles alegam que entre os objetivos da Ancine previstos em lei estão a promoção da cultura e da língua por meio da atividade cinematográfica. "As contribuições de intervenção no domínio econômico têm por objetivo auxiliar o Estado no cumprimento de suas funções econômicas e não podem se prestar a atingir finalidades sociais", diz a inicial, lembrando que a Condecine é uma contribuição no domínio econômico.

Além disso, a intervenção do Estado na "Ordem Econômica", segundo a alegação dos tributaristas contratados pelo SindiTelebrasil, precisa se ater àquilo previsto na Constituição, que são políticas urbanas, agrícolas e fundiárias, assim como a reforma agrária.

Um terceiro argumento colocado é a questão do fato gerador da Condecine Teles. A cobrança, como se sabe, é feita com base em um valor fixo para cada terminal de telecomunicações existente. Ou seja, cada telefone celular ativo na base das operadoras gera uma contribuição anual (de cerca de R$ 4) que é paga a título de Condecine Teles. O problema é que nem todos os terminais se prestam à distribuição de conteúdos audiovisuais. As teles alegam que a Constituição até admite que se faça uma cobrança anterior ao fato gerador acontecer, mas o ressarcimento imediato é previsto caso esse fato não se concretize. Ainda na questão do fato gerador, as teles argumentam que a base de cálculo nunca poderia ser o terminal, mas sim a receita ou o faturamento decorrente da distribuição de conteúdo audiovisual. Ao incidir sobre o terminal, a Condecine se tornaria um tributo sobre a propriedade, e não sobre uma atividade econômica.

Por fim, um último argumento colocado é o de que a Condecine, por ser uma CIDE, deveria ter sido instituída por lei complementar, conforme determina a Constituição. E a Condecine foi criada por uma Medida Provisória com força de lei ordinária, a MP 2.228-01/2001, que nem mesmo foi aprovada pelo Congresso (a medida provisória que criou a Ancine foi das últimas MPs que se tornavam lei por decurso de prazo, caso o Congresso não fizesse a análise. Depois disso, a regra mudou e as MPs perdem a validade em caso de ausência de aprovação pelo parlamento).

6 COMENTÁRIOS

  1. Essa condecine está errada no aspecto tributário. Se quiserem ter uma CIDE para o mercado audiovisual, o ideal é tributar a receita operacional das radiodifusoras, programadoras e operadoras de TV por Assinatura, distribuidores de conteúdo audiovisual e grandes exibidores estrangeiros, na faixa de 2,5% a 3%. Isso seria uma condecine correta, mas o governo não quer comprar essa briga com os grupos de mídia e apela pra gambiarra. Esse valor da condecine da seles deveria ser utilizado para financiar a expansão da banda larga de alta capacidade, inclusive com muitos pontos gratuitos. E o ideal mesmo é que a carga tributária sobre telecom fosse reduzida. Podem optar também por outras formas de arrecadação mais correlacionadas, como valor compensatório a ser cobrado sobre a venda de aparelhos que veiculam audiovisual (TV, tablet, HT, console de videogame, notebook, smartphones etc.). Não seria uma CIDE neste caso, seria uma outra espécie de cobrança, fixa, sobre aparelho, recolhido na venda. Anualmente se comercializam de 70 a 100 milhões destes aparelhos no Brasil. Isso, somado a CIDE/Condecine sobre a receita líquida dos grades operadores do audiovisual já cobriria a extinção dessa Condecine das Teles. Mas o governo teria que ter coragem para brigar com grupos de mídia, fabricantes e importadores de eletrônicos. O FSA também deveria ser a fundo perdido só para os pequenos médios produtores. Grandes produtores deveriam pegar dinheiro a juros, mesmo subsidiados ou zero, com prazo longo de retorno, mas que fossem devolvidos, como em qualquer setor, mas com menor burocracia do que o BNDES tem hoje para financiamentos nos outros setores. Além disso, o orçamento do Ministério da Cultura também poderia ser maior, para obter bancar, sem precisar de gambiarra. É questão de escolha pública. Se aumentar esse orçamento em R$ 1 bi, o que não é nada em termos de arrecadação de impostos e receita do governo, resolve. O que não dá é invencionice. Digamos que eu enho um aparelho pré-pago, desses de R90,00 que s compra nas Lojas Americanas, que não é smartphone e nem passa vídeo. Por que eu tenho que pagar a condecine? Não tem sentido.

  2. Gostaria de saber o número para acompanhamento também. Já procurei diversas vezes e não consigo encontrar. Quero acompanhar o desfecho e a íntegra da decisão.

    Se alguém puder enviar o número da ação, eu agradeço.

    Abs,
    Raquel.

Deixe um comentário para Leandro Mendes Cancelar resposta

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui
Captcha verification failed!
CAPTCHA user score failed. Please contact us!