Os desafios para a transformação digital do setor de telecomunicações

É inquestionável que as empresas de telecomunicações precisam passar por um processo profundo de transformação digital, o que significa pensar e orientar toda a gestão, desde o planejamento até a operação e atendimento, passando pela definição de (novos) produtos, a funcionar com base em dados e informações digitais. Nesta quarta, 19, as publicações TELETIME e a TI Inside organizaram em São Paulo o evento Digital Telco, que procurou mostrar em que estágio está a indústria de telecom em relação a este processo e para onde o futuro aponta. Ao contrário do senso comum, de que o setor de telecom é atrasado e conservador, o que ficou claro no evento é que a transformação digital é uma realidade nas operadoras, e que muita coisa já está acontecendo. O que, entretanto, não torna os desafios menores nem significa que ainda haja um longo caminho a ser percorrido.

Por que digitalizar?

A primeira pergunta colocada pelo evento aos operadores foi justamente a razão de a transformação digital ser um imperativo. Não existe uma resposta única. A primeira, obviamente, é porque existe uma fortíssima concorrência das empresas que são nativas do universo digital: as empresas de Internet, que por terem uma agilidade e capacidade de inovação muito maiores do que as telcos tradicionais, têm hoje margens melhores e navegam muito mais confortavelmente junto a investidores e acionistas (não por acaso, têm valor de mercado quatro vezes maior do que o das teles tradicionais).

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Mas não é apenas este fator competitivo que impulsiona a necessidade de transformação digital das teles. As receitas de telecom são declinantes há vários anos, as necessidades de investimento são elevadas e constantes, as margens estão cada vez mais apertadas e, sobretudo, o digital é cada vez mais a linguagem e a demanda dos consumidores.

A digitalização pode ser dar em vários níveis de uma operadora de telecom. Na camada de rede (com a virtualização de funções e capacidade); no planejamento estratégico e de investimentos (usar os dados da própria rede para saber alocar recursos); operação (para diminuir a quantidade/necessidade de intervenções humanas); formatação e definição de produtos; nos produtos digitais em si (que de outra forma não teriam nem como ser oferecidos); alocação de recursos de vendas e marketing;  prevenção de fraudes e recuperação de receitas; combate ao churn; atendimento e relacionamento com o consumidor entre outras áreas. Tudo em uma tele é passível de um profundo processo de transformação com a utilização de big data e analytics, inteligência artificial, canais digitais de interação etc.

Como pagar a conta

Mas ainda existe uma grande questão para as empresas, como ficou evidente no evento: como monetizar este esforço? O processo de digitalização e adoção de big data não é um mero exercício estatístico, mas precisa trazer resultados. E fazer a pergunta certa sobre que problemas precisam ser resolvidos com a digitalização parece ser uma tarefa menos trivial do que parece. Hoje, o que as primeiras experiências de transformação digital trazem de benefício para o setor de telecom parece ser na redução de custos, mas as empresas ainda apostam que terão novas receitas no momento em que novos serviços puderem ser viabilizados.

Para chegar a um ambiente digital contudo, os desafios das empresas tradicionais de telecomunicações têm sido bastante grandes. A começar por uma cultura corporativa que só agora começa a mudar no sentido de entender todo o potencial e os benefícios da transformação digital. O que se vê é que nos últimos anos os times dedicados a esta transformação têm crescido substancialmente, dentro das teles, e se tornado cada vez mais interdisciplinares, e isso é positivo.

Do ponto de vista tecnológico e de padronização, nada indica que o setor de telecomunicações terá grandes desafios para a sua digitalização. A cultura digital pede modelos e sistemas ágeis, e o tempo de grandes projetos que demoravam anos para serem implementados parecem ter ficado para trás. Mas ainda existem obstáculos internos e nem sempre a empresa está orientada ao ambiente digital como prioridade.

Parcerias

Com isso, o caminho mais promissor para a transformação digital das empresas de telecom parece ser mesmo dentro do modelo de parcerias, basicamente porque muitas vezes o necessário conhecimentos específicos sobre outros mercados está nestas parcerias (como no caso de verticais de serviços corporativos, por exemplo); e também pela possibilidade de redução dos riscos e ganho de agilidade no desenvolvimento de projetos digitais.

As empresas de telecom têm algumas vantagens para entrarem no mundo digital, sobretudo em função da grande quantidade de dados produzida pelas redes, a irreplicabilidade das redes, a capacidade de edge computing (processamento de dados na ponta das redes), a relação próxima ao consumidor e (ainda) a capacidade de investimentos. Mas estes diferenciais são cada vez menos relevantes, apontaram os especialistas que participaram do evento, considerando que as empresas de internet têm hoje informações muito semelhantes e com muito menos limitações legais e regulatórias. Por isso a pressa das teles para aproveitar esses diferenciais enquanto ainda são uma vantagem.

Regulação e cultura

A questão regulatória, a propósito, foi apontada no evento como um desafio importante para a digitalização do setor de telecomunicações, que é, por natureza, muito regulado. A questão da privacidade é cada vez mais crítica nos serviços digitais e o Brasil tem uma legislação considerada bastante abrangente neste campo, sem falar nas questões de neutralidade e coleta de dados estabelecidas pelo Marco Civil da Internet. Não existe a leitura de que estas limitações legais sejam, hoje, um problema, mas empresas de Internet operam com mais liberdade.

Outro desafio é que o setor de telecomunicações ainda é dividido em silos, com pouca interação entre as diferentes áreas e cada uma delas com culturas digitais mais ou menos desenvolvidas. Sem falar nas tecnologias, redes e estruturas legadas. Este sentido, o planejamento com foco em digital e, sobretudo, o estabelecimento de metas claras para desenvolvimentos dos projetos de transformação digital.

Competição vs. cooperação

Um aspecto ainda nebuloso colocado pelas empresas de telecomunicações é sobre as formas com que elas poderiam trabalhar em conjunto. Existe a percepção de que o setor pode ser mais forte no ambiente digital se jogar em conjunto, agregando informações, estabelecendo políticas de boas práticas comuns, unificando discursos e bandeiras regulatórias. Mas isso não é simples no setor de telecom, tradicionalmente desunido e muito competitivo. Como a digitalização é vista como um diferencial concorrencial efetivo entre as empresas, parece ainda haver um longo caminho até que o setor reme na mesma direção, dentro do mesmo barco.

Hoje, as operadoras já tem adotado processos de transformação em diversas áreas, e existe um discurso comum de que isso é essencial para agregar valor à conectividade. Este imperativo torna-se ainda mais relevante na iminência do ambiente de Internet das Coisas, em que as teles sabem que precisam agregar serviços para além da operação de rede, e sobretudo da quinta geração (5G). Esta nova geração já nasce em um contexto 100% digital dentro das empresas, exige desde redes virtualizadas até serviços digitais avançados, e oferece muitas possibilidades de produtos que hoje não existem no ambiente wireless, em função das baixas latências, altas velocidades e capacidade de slicing de rede (o que abre a possibilidade de ampla customização da conexão oferecida).

O evento Digital Telco reuniu representantes das operadoras Oi, Claro, Vivo, TIM, Nextel, das consultorias Frost & Sullivan, da Quaasar e dos fornecedores Cisco, Ciena e VMWare.

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