A arapuca do senso comum

Aplicar o senso comum nem sempre é o melhor caminho quando se pensa em políticas públicas ou ações regulatórias. Em telecomunicações, a orientação de decisões apenas pelo que pede uma parcela mais ruidosa da sociedade, mesmo que majoritária, pode ser especialmente complicada. Os temas são complexos, as implicações são sérias e as variáveis vão muito além dos argumentos mais óbvios. Há dois temas em que este assunto fica evidente: franquias de banda larga e bloqueadores de celular em presídios.

Na última semana, como tem acontecido anualmente com todos os ministros responsáveis pela pasta das Comunicações desde 2016, o astronauta Marcos Pontes tocou no assunto. Deu uma resposta sensata: "tenho um perfil de tomada de decisão baseado em fatos. E o assunto de franquias ainda não está na pauta". Com variações, as interpretações imediatas foram na linha do "governo não mexerá no assunto", ainda que a parte mais importante da fala do ministro tenha sido a sua disposição para tentar entender o problema. Mas de fato, ele indicou que não tratará do assunto imediatamente.

Isso é ruim. Há algum tempo dizemos que o governo deve sim mexer no assunto. Existe uma clara situação de impasse regulatório e insegurança jurídica, porque ao mesmo tempo que a Anatel não tem regras que impeçam as operadoras de praticarem o modelo de negócio que quiserem (com franquias ou sem franquias), há uma cautelar suspendendo a prática de franquias, que já existia como prática na indústria desde 2006, diga-se de passagem. E o motivo para esta situação de impasse foi trazer o senso comum para o centro da decisão: se a Internet não é um recurso escasso como a água ou a energia elétrica, que precisa de insumos para ser produzida, ela não poderia ser limitada.

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Neste episódio das franquias o senso comum está errado em uma série de aspectos. Do ponto de vista técnico, qualquer rede de telecomunicações tem limites, e ampliar os limites requer recursos. Do ponto de vista jurídico, a prestação de serviços de Internet é uma atividade privada, feita por empresas privadas, que podem ter o direito de vender com ou sem franquia, cada uma de acordo com a sua estratégia, e o consumidor pode ter o direito de consumir como achar melhor para o seu bolso. O regulador existe, nesse caso, para evitar abusos e garantir os direitos do consumidor. Mas é direito do consumidor consumir o quanto ele quiser, sem limites? Esta é a questão. Existe ainda, efetivamente, um debate que precisa ser travado do ponto de vista político-regulatório sobre a essencialidade da Internet (e, nesse caso, é justo que a oferta de serviços de banda larga passe a ser encarada como essencial também para fins tributários e de políticas públicas) e sobre o papel da Internet na pluralidade da informação.

Acontece que a realidade criou duas situações antagônicas: hoje, 49% daqueles que acessam a Internet só o fazem pelo celular (PNAD/TIC Domicílios 2017), e para o acesso móvel o instituto das franquias é aceito do ponto de vista regulatório, consagrado como prática de mercado e tolerado pelos consumidores. Outros 47% da população conectada usa também a rede fixa para acesso à Internet, onde a franquia de dados, apesar de permitida pela regulamentação, está suspensa cautelarmente da Anatel para evitar o ruído que seria gerado ao se confrontar o senso comum. Longe, portanto, da pauta imediata, como disse o ministro. O astronauta Marcos Pontes quer analisar os fatos. E eles não são óbvios nem simples nesta discussão.

Bloqueadores

A mesma coisa acontece quando se discute a situação dos presídios brasileiros, a questão da criminalidade e o papel do setor de telecomunicações neste contexto. No Congresso tramitam quase uma dezena de projetos que tratam de bloqueadores em presídios. Boa parte deles jogando para as empresas de telecomunicações a responsabilidade de resolver o problema. Inclusive do ponto de vista dos investimentos.

Mais uma vez, é a maldição do senso comum: é fato que bandidos falam pelo celular a partir das carceragens, e também é fato que isso não deveria acontecer. E como quem opera as redes de celular são as operadoras de telecom, nada mais lógico do que botá-las para resolver o problema. Será? As operadoras de telecomunicações são as provedoras dos serviços e das redes, mas não cabe a elas a responsabilidade pelo uso que é dado aos celulares, nem aos locais em que eles podem ou não funcionar. E obrigá-las a cuidar disso é uma má ideia. Primeiro, porque coloca os colaboradores em risco. Depois, porque torna o sistema de telecomunicações como um todo como alvo do crime organizado.

Como exemplos dos riscos, nesta segunda, 18, a TV Gazeta do Espírito Santo trouxe uma denúncia sobre ameaças que a empresa de alimentação responsável pelo serviço de fornecimento de marmitas aos presídios de Vitória estaria recebendo  ameaças por conta da qualidade da comida. Imagine-se o que poderia acontecer a qualquer empresa ou prestador de serviços de empresas de telecom caso fossem eles as responsáveis por deixar mudos os telefones ilegalmente operados nas cadeias. Uma pequena amostra disso já foi vista no Ceará, onde torres e centrais foram destruídas quando se começou a discutir um dos projetos obrigando a instalação de bloqueadores. O mesmo se repetiu na recente crise de segurança no Estado.

Pois bem: o crime organizado ainda não se deu conta do grau de exposição e fragilidade das redes de transporte de telecomunicações das operadoras brasileiras.  Seguir o senso comum e colocar a empresa de telecom para resolver o problema do acesso a celular nas cadeias certamente teria consequências desastrosas.  Em lugar de fazerem porque o senso comum assim o exige, nossos Legisladores e a Anatel devem agir pelo bom senso, conhecendo os fatos, como diz o astronauta.

1 COMENTÁRIO

  1. A questão dos celulares nos presídios vai além das telecomunicações, parece claro. Agora, quando o SINDITEL vai ao STF para derrubar regulações estaduais proibindo torres perto de presídios, ficamos com uma sensação de impunidade, como se o SINDITEL estivesse utilizando a legislação federal para afastar o problema e permanecer isento. Esta não é também uma posição de bom senso, é um senso comum legal que pode despertar reações negativas por parte da população.

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