A complicada fusão de ministérios (Minicom e MCTI)

Agora é fato consumado, com o qual é preciso trabalhar e conviver: o governo Temer não tem um Ministério das Comunicações. O que se tem é um ministério que junta Ciência, Tecnologia e Inovações com as Comunicações. Trata-se de uma mistura que existe na cabeça de quem vem do Congresso, onde os assuntos estão misturados nas comissões que tratam desses temas. A equipe de Michel Temer (e o próprio) é especialista em Congresso. Tanto Senado quanto Câmara têm suas Comissões de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações. Ora tratam de uma coisa, ora tratam de outra. Nunca de todas ao mesmo tempo. Além disso, em ministério, esse é um modelo sem precedentes relevantes no mundo. Inovações e Comunicações juntas é algo que faria sentido. Tecnologia e Comunicações, faria sentido. Mas o antigo MCTI é um órgão voltado sobretudo para a ciência e a pesquisa. Uma estrutura gigantesca montada em torno deste propósito.

Quem teve a ideia de juntar olhou a estrutura de comissões do Congresso e decidiu, aparentemente, com base nisso. E assim se justificou o corte de um ministério. Porque do ponto de vista da gestão, órgãos tão diferentes gerarão a economia apenas do salário do ministro e do secretário-executivo. Nem a equipe do ministro Gilberto Kassab tem muito ideia de como fazer a coisa funcionar na prática agora. O mais provável é que a uma estrutura se some a outra, sem subtrações ou otimizações. Este é o fato consumado. A questão é: o que esperar e o que dá para fazer a partir daí?

Se for adiante o movimento dos radiodifusores de levar o cartório da radiodifusão do antigo Minicom e a parte de outorgas de rádio e TV para a Anatel, a agência ganha força e relevância e Kassab resolve um problema. As empresas de mídia querem apenas manter as políticas de radiodifusão sob a tutela de um ministro, e aí tanto faz o ministério. A única resistência do setor seria uma fusão com a agora extinta Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), por conta das verbas publicitárias estatais. Esse risco não existe mais.

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O discurso político do governo Temer é o de valorização das agências reguladoras e nomes técnicos. Se isso for cumprido, a tendência é uma Anatel mais parecida com a do governo FHC, em que o ministério é acessório, sem a secretaria de Telecomunicações formulando políticas e sem o ministro sendo usado, frequentemente, como instância recursal em relação às decisões da agência. Mas esse é o discurso, que cabe a Kassab executar. Porque, na prática, o que se viu nos últimos anos foi o PMDB participando ativamente da escolha de nomes para a Anatel.

Em relação à estrutura do ministério em si, a tendência é que o MCTIC mantenha o DNA do MCTI, por inércia. A estrutura legada é maior. O ministério das Comunicações tinha apenas duas secretarias finalísticas (telecomunicações e radiodifusão), duas estatais (Correios e Telebras) e uma agência reguladora (Anatel). Já o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação tinha quatro secretarias finalísticas (políticas de P&D; inovação para inclusão social; desenvolvimento tecnológico; e políticas de informática), 13 unidades de pesquisa (entre instituições, laboratórios, centros de pesquisa e museus), cinco órgãos colegiados (conselhos e comissões permanentes), duas autarquias, uma fundação, quatro empresas públicas vinculadas e uma binacional. No meio de tudo isso estão estruturas tão grandes como CNPq, Ibict, Finep, CNEN entre outras. Sem falar que a capacidade de mobilização e pressão da comunidade científica (que já está protestando em relação à fusão) é infinitamente maior do que a do setor de telecomunicações.

São, portanto, dois mundos distintos que precisam se unir. Há a gestão do Funttel, o fundo de desenvolvimento das telecomunicações, que tem sinergias com os trabalhos em pesquisa e desenvolvimento do MCTI. Também existem aspectos da (cada vez menos expressiva) política industrial de telecomunicações que dialogam com o MCTI. Mas é pouco para serem o pivô central do processo de integração dos dois ministérios.

Um outro ponto comum que poderá ser explorado por Kassab é a formulação de políticas de Internet e aplicações em TICs. Lembrando que sob a coordenação do antigo MCTI (mas com funcionamento completamente independente) está o Comitê Gestor da Internet, que terá um papel importante na regulação do Marco Civil, inclusive como formulador das diretrizes que a agência de telecomunicações deverá considerar para atuar em questões referentes à neutralidade de rede, conforme previsto na regulamentação do Marco Civil. Além disso, a medida provisória que estabeleceu a estrutura de ministérios do governo Michel Temer transferiu para o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações o Instituto Nacional da Tecnologia da Informação – INTI. Trata-se de um órgão que estava na Casa Civil e que basicamente cuida da Infraestrutura de Chaves Públicas no Brasil (chaves criptográficas para transações eletrônicas oficiais). Mas também tem como atribuições "estimular e articular projetos de pesquisa científica e de desenvolvimento tecnológico voltados à ampliação da cidadania digital, como a popularização da certificação digital e a inclusão digital, atuando sobre questões como sistemas criptográficos, software livre, hardwares compatíveis com padrões abertos e universais, convergência digital de mídias, entre outras". Esse parece ser um caminho mais promissor, em que o novo MCTIC pode agregar alguma coisa nova ao que existe hoje.

O desenho desta nova estrutura, que abra espaço para políticas de TICs, é complicado e promete ser o grande desafio de Kassab, porque o legado do MCTI é pesado. A própria secretaria de políticas de informática nunca conseguiu dar esse passo para se tornar um formulador das políticas para o ambiente da Internet. E existe, na comunidade acadêmica e nos movimentos sociais, uma grande resistência a qualquer coisa que possa soar como intervenção estatal ou regulação no ambiente digital, enquanto no setor de telecomunicações é cada vez mais frequente a leitura de que é preciso haver pelo menos uma simetria de regras. Ou seja, haverá aí interesses conflitantes.

O ministro Gilberto Kassab recebeu do presidente interino Michel Temer um bicho estranho, uma bola quadrada, decorrente de uma fusão de pastas feita sem muito critério, apenas para gerar um número bonito. Para que dê certo, precisa fazer desse limão uma limonada. Será preciso mudar completamente a visão sobre as políticas públicas setoriais. Se ficar apenas na otimização de recursos e corte de cargos, dará em nada.

4 COMENTÁRIOS

  1. Prezado Colunista
    Excelente análise factual.Realmente são grandes as diferenças entre as duas áreas que se fundem .As sinergias dependerão de gestão qualificada e de visão estratégica.
    Numa visão a partir do governo o MCTI é mesmo muito mais importante que o Minicom. Basta olhar para os valores constantes do Orçamento da União consignados para cada Órgão.Se olharmos de fora para dentro a importância se inverte. Geração de emprego; faturamento; geração de tributos; alavancagem dos investimentos sobre o PIB. No MCTI, sem lhe reduzir a importância, mas sendo obrigatoriamente realista pergunta-se: Qual é a relevância da produção científica brasileira no contexto mundial?Qual a demanda da comunidade científica sobre o nível requerido de interferência do Estado em seus assuntos? A resposta é simples:ambas são baixas! Sendo práticos,conclui-se que se mantido o nível atual de verba do MCTI ficarão todos felizes, mesmo que sejam representados apenas por uma Diretoria ou Coordenadoria no novo Ministério.
    A gritaria se compreende, mas no frigir dos ovos, é apenas uma forma de dizerem,"..não reduzam a importância da Ciência no Brasil, e esta importância nós medimos pelo valor da verba orçamentária"

  2. Depois de 18 anos de razoável convivência entre Telecom e Informática, com a então nova LGT de 98, começamos tudo de novo! Apenas a guerra das privatizações deve acabar com o foco do presidente Temer em "privatizar tudo que for possível", por total impossibilidade de investimentos estatais. Lembremos do "trator" , por ordem do FHC, na elaboração nos anos 90 da LGT . "Trocentas" reuniões para concluir que o modelo americano devia ser copiado ! Pior só a inércia dos anos 60 e 70 para criar um mínimo de regulamentação do setor. Mas a Radio-difusão ficou sempre de fóra, tanto em 60 com a lei 4117 de João Goulart como na LGT de 98, pois metade das licenças do Minicom , depois misturadas com regras 'natimortas' da ANATEL, eram (e ainda são) de parlamentares e da igreja que descobriram um negócio melhor que os seculares cartórios de títulos e documentos que os mineiros nunca largaram, onde o lucro é a própria receita pois a despesa é quase nula! O Temer prometeu meritocracia com 'técnicos'ao invés de burocratas semi-analfabetos. Esse me parece ser o maior problema da crise no País: ganhar a guerra do 'compadrio' e consequente corrupção, único meio de 'subir na vida da grande maioria ! Quem viver verá ! Delson Siffert, consultor senior de engenharia e negócios em TI & Telecom.

  3. Parece que seguimos falando em futuro, mas olhando para o retrovisor. Comunicações e Ciência e Tecnologia não são um fim em si, mas meios que podem ajudar o desenvolvimento econômico e a vida das pessoas. Portanto, seus resultados devem estar voltados para alcançar essas finalidades. O ente regulador implementa projetos que necessariamente são discutidos e estabelecidos pelo Governo, executivo e legislativo. O quadro limitado da Agência exige maior eficácia em sua atuação. A estrutura dos ministérios e entidades filiadas precisa ser atualizada segundo uma visão de futuro da atuação do Estado brasileiro nesses setores. Nesse contexto, rever o papel da Anatel, da Telebrás e de várias outras entidades filiadas é o que se espera se o objetivo for efetivamente um Estado mais eficaz.

  4. Perfeito, Samuel. Vamos apostar que essa é a grande chance da saída do ostracismo e do rumo ao iceberg para o qual seguia o setor. É nos momentos mais desafiadores que surge a chance de guinada através do novo. Então, em frente! Competência, capital humano de excelência e prova de capacidade não nos falta, nossa história já provou. abs

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