Projeto complexo e múltiplos interesses são desafios do satélite geoestacionário brasileiro

O projeto do Satélite Geoestacionário Brasileiro ainda está envolto em uma grande quantidade de sigilo e pouco se pode dizer com segurança sobre a formatação final do programa. Dependendo do interlocutor, a informação que se tem é que ou o projeto está em fase bastante adiantada, ou ainda bastante incompleto. Não há certeza sequer se o primeiro satélite, previsto para 2014 (mas que tem como data mais realista, livre de pressões políticas, 2016) será apenas um, pois é real a possibilidade de que sejam dois satélites menores.

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O que adiciona uma grande quantidade de complexidade ao projeto é a característica híbrida do projeto, que se destina tanto ao uso militar, com a banda X, quanto à aplicação civil de atender ao Plano Nacional de Banda Larga.

Da parte militar o que se sabe, segundo informações que foram passadas pelo general Celso José Tiago, do Ministério da Defesa, durante apresentação no Congresso Latino-americano de Satélites, realizado pela Converge Comunicações e pela TELETIME nesta sexta, 7, é que o projeto visa atender ao Plano Nacional de Defesa e à Estratégia Nacional de Defesa, instituídos pelo governo em 2009 e que é naturalmente complexo por envolver o monitoramento de uma gigantesca área de fronteira que cobre 27% do território nacional (como comparação, isso é o dobro da área de fronteira dos EUA), a Amazônia, o espaço aéreo brasileiro e, sobretudo, as fronteiras marítimas. Ou seja, o satélite terá que atender a complexos planos de monitoramento e defesa que envolvem Exército, Marinha e Aeronática.

Segundo o general Tiago, a formatação dos planos e necessidades do Exército já está mais adiantada, mas ainda falta finalizar os planos da Aeronáutica e Marinha. Tudo isso passará ainda pelo acompanhamento da Agência Espacial Brasileira (AEB), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, e deve envolver necessariamente o total controle operacional e tecnológico por parte de brasileiros, a transferência de tecnologias a empresas brasileiras e ainda se enquadrar em um projeto maior que envolve satélites menores de monitoramento e vigilância, localização e ainda atender à capacidade de comunicação que cubra as missões brasileiras no exterior, incluindo regiões como Mediterrâneo e Oriente Médio.

Segundo o coronel Marcelo Franchitto, do Instituto de Aeronáutica e Espaço, que também participou dos debates, toda essa capacidade precisa estar disponível de forma integrada, o que adiciona um componente de dificuldade adicional.

Backhaul

Da parte de telecomunicações civil para atender o PNBL, o que se sabe é que será um satélite em banda ka destinado basicamente a backhaul para acesso banda larga. Esse propósito simplifica um pouco o projeto, pois não há a necessidade de projetar o satélite com muitas células, já que ele não se destinaria ao atendimento do consumidor final. Isso torna o satélite mais leve e barato, mas de qualquer maneira a operação em banda ka tem desafios adicionais em relação à atenuação atmosférica, o que é algo crítico em regiões como a Amazônica, onde estão boa parte das cidades em que o Plano Nacional de Banda Larga não conseguirá chegar por meio de fibra óptica. A questão da posição orbital também é crítica, pois disso depende uma cobertura mais ou menos eficiente da fronteira marítima. Hoje, fala-se no mercado que o primeiro satélite geoestacionário brasileiro poderia ocupar ou a posição 48W ou a posição 75W, mas outras estão também sendo avaliada. Se o satélite fosse apenas destinado à defesa, certamente não haveria questionamento em relação à consignação gratuita desta posição, mas algumas empresas privadas questionam como a Anatel tratará a questão considerando a participação da Telebrás no projeto.

Segundo dados da Agência Espacial Brasileira, este primeiro satélite de comunicação a ser lançado até 2014 será de porte superior a 2 toneladas, o que é um pouco acima da capacidade do foguete lançador Cyclone 4, que está sendo projetado e construído pela Alcântara Cyclone Space, empresa bi-nacional Brasil/Ucrânia. O Cyclone 4 tem capacidade para satélites de até 1,7 toneladas. Mas segundo Sergiy Guchenkov, diretor da bi-nacional, com o orçamento previsto pelo Brasil (cerca de R$ 710 milhões), é possível construir dois satélites menores que atenderão perfeitamente a capacidade militar e civil do SGB e que ainda poderiam ser lançados no Cyclone 4, o que garantiria ao Brasil a possibilidade de absorver plenamente inclusive a tecnologia de lançamento e asseguraria um backup caso seja necessário.

Transferência tecnológica

O desafio de transferência de tecnologia é um dos grandes problemas do projeto do Satélite Geoestacionário Brasileiro. Ao mesmo tempo em que as Forças Armadas colocam a necessidade de transferência desta tecnologia para empresas nacionais como uma parte fundamental do projeto, é uma posição praticamente consensual de que para o primeiro satélite, a ser lançado em 2014, terá muito pouco de sua tecnologia transferida para o Brasil, mas há ainda a expectativa de que pelo menos parte dela seja absorvida pelo integrador nacional, diz o General Tiago.

Laurent Mourre, gerente geral da Thales para o Brasil, a transferência de tecnologia é sempre uma questão que passa por um aspecto político de quem detém a tecnologia, uma questão orçamentária, uma componente de tempo e a capacidade de absorção de quem contrata. A Thales é uma empresa francesa que construiu boa parte dos satélites geoestacionários em operação hoje. Segundo Mourre, da parte do governo francês, não existe nenhuma restrição para que a tecnologia francesa seja transferida ao Brasil. "Isso está claro no projeto do submarino nuclear ou na venda dos caças para a Aeronáutica" , mas ele ressalta que a componente de tempo é complicada para que haja transferência de tecnologia já nesse primeiro satélite geoestacionário a ser lançado em 2014.

Tudo isso passará pela empresa integradora, que será a responsável pela contratação das diferentes partes e acompanhará a montagem e os testes com o satélite. Especula-se que a Embraer seja a empresa mais próxima de assumir o papel de integradora, mas não há consenso dentro do governo sobre isso (o nome da empresa não foi citado nos debates). A outra opção seria  a Mectron, ligada ao grupo Odebrecht e que já hoje desenvolve equipamentos de defesa como mísseis e foguetes militares, mas essa opção é considerada mais adequada para integrar satélites menores para outros propósitos.

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