Os ISPs e o alçapão tributário

O mercado de pequenos provedores de acesso (ISPs) está provocando uma verdadeira revolução na infraestrutura e serviços de telecomunicações do Brasil. São centenas de empresas que estão construindo redes próprias de fibra ótica e levando banda larga a mercados onde, normalmente, a única alternativa de acesso seria uma rede ADSL das incumbents, com todas as limitações de capacidade decorrentes desta tecnologia já obsoleta.

Com isso, um universo de milhares de provedores, a maior parte autorizados do Serviço de Comunicação Multimídia, está se desenvolvendo. Hoje estas empresas, em geral de pequeno e médio porte, representam cerca de 10% do mercado de banda larga fixa, totalizado 2,7 milhões de clientes, segundo os últimos dados da Anatel. Mas, mais impressionante, é que mais da metade do mercado de FTTH no Brasil (estimado em cerca de 1,4 milhão de acessos banda larga) é hoje operado por estas empresas.

Destes milhares de provedores, pelo menos 600 deles são hoje associados à Abrint, que realiza esta semana seu encontro anual em São Paulo. E o grande desafio a esse mercado, que ficou evidente na abertura do evento, é que estas empresas, ao crescerem e ganharem relevância, estão passando a viver as dores do sistema tributário brasileiro, que há décadas pesa sobre as grandes operadoras e inibe o desenvolvimento do consumo de serviços de telecomunicações.

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Não é segredo que os setores de energia, telecomunicações e combustíveis alimentam, via ICMS, o caixa dos governos estaduais. Governadores dependem fundamentalmente destes três setores para quitarem a maior parte de suas contas. Mas até aqui os pequenos provedores conseguiam evitar essa pesada tributação, recolhendo apenas o ISS, um imposto bem mais leve, cobrado por municípios. Para isso, justificam que o serviço prestado não é apenas o de telecomunicações (passível de cobrança de ICMS), mas principalmente de valor adicionado (passível de cobrança do ISS). A base para isso remete a uma divisão criada pela Norma 4/95 do Ministério das Comunicações, que segregou a atividade de provimento de acesso da prestação dos serviços de telecomunicações. Assim, na conta dos serviços prestados, a maior parte do valor declarado à receita pelos ISPs é atribuído ao provimento de serviços de valor adicionado (autenticação IP, atendimento, aluguel de equipamento etc), sujeitos ao ISS, e uma pequena parte é declarada como serviço de telecomunicações propriamente dita, recolhendo o ICMS. Soma-se a isso o fato de que os pequenos provedores começam a vida empresarial recolhendo pelo Simples, que tem uma carga tributária reduzida, mas ao passarem de um determinado patamar de faturamento entram na faixa tributária de uma grande tele.

Esse conflito entre ICMS e ISS não é novo. Desde 2011, a GVT, que tinha a mesma prática tributária dos pequenos provedores, precisou fazer uma acordo com o Confaz para acertar uma dívida de quase R$ 1 bilhão com as secretarias de fazenda estaduais. Ganhou um desconto de mais de 40% no passivo, mas passou a recolher majoritariamente o ICMS sobre os serviços de banda larga. Desde então, o Confaz normatizou este entendimento e os fiscais tributários ficaram especialmente atentos a esse tipo de prática.

Com o mercado de banda larga crescendo entre pequenos provedores, mais a pressão arrecadatória das Receitas Estaduais recai sobre estas empresas. Os fiscais não têm dado trégua aos pequenos provedores, conforme ficou claro na abertura do congresso da Abrint. O que se viu ali foram relatos de que a sanha tributária das secretarias de fazenda tem ido na jugular dessas empresas, aplicando multas milionárias, e as obrigando a recolher os tributos como recolhem as grandes teles, pelo ICMS. Soma-se a isso o problema do fim do Simples após um determinado nível de faturamento e as dificuldades de acessar financiamento e programas de incentivo federais, como tiveram com o RE-PNBL, e fica claro que o sistema tributário brasileiro, tão oneroso para as grandes empresas de telecomunicações (e, em última instância, para os consumidores), está também podando o crescente mercado de pequenos provedores.

Alguns atribuem a origem desse problema à Anatel, que ao regulamentar o Serviço de Comunicação Multimídia como um serviço de telecomunicações, em meados da década passada, acabou tirando a possibilidade de enquadrar o serviço de acesso à Internet como um serviço de valor adicionado, dificultando a tese tributária de enquadramento pelo ISS. A agência sempre se defendeu alegando que a distinção entre acesso à Internet e telecomunicações só fazia sentido no mundo do acesso discado, e que hoje os provedores de acesso banda larga que construíram suas próprias redes são, de fato e direito, empresas de telecomunicações que entregam exatamente o mesmo serviço das grandes teles.

Fato é que os pequenos provedores, que no conjunto não são mais tão pequenos assim, se veem diante de um beco sem saída. Ao crescerem e ganharem relevância econômica, correm o risco de se tornar inviáveis, pois caem num alçapão tributário. Mas se não crescem, não conseguem recuperar os pesados investimentos inerentes a uma rede de banda larga de última geração em que estão apostando. E o drama é que não existem muitas medidas regulatórias ou políticas públicas federais que resolvam. A conversa é com os estados.

3 COMENTÁRIOS

  1. Oi Samuel. O SVA ainda estah livre de ISS. No painel da Abrint, embora o Max tenha inicialmente dito ao contrario, depois ele comentou depois sobre o projeto de lei que pretende inclui-lo na lista se servicos tributados pelo ISS.

    • Caro Godoy, não sei qual a realidade de cada um dos provedores, mas até onde sei muito optam pelo pagamento do ISS, por segurança jurídica. A Lei viria apenas para acabar com a divergência em relação às receitas estaduais e e pacificar a questão. Não recolher nem ICMS nem ISS cria uma vulnerabilidade muito grande, segundo advogados com quem conversei. De qualquer forma, obrigado pela observação.

      • Eh por este caminho mesmo Samuel. Apenas vale acrescentar que no caso do pagamento de ISS no SVA de maneira nenhuma aplacarah o fisco estadual, que opera de forma vil.

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